Em 2014, Sky desdenhou da Netflix no Brasil; em 2025, a realidade se inverteu completamente
Em 2014, Sky desdenhou da Netflix no Brasil; em 2025, a realidade se inverteu completamente
Agosto de 2014. Palco do Sofitel Jequitimar Guarujá, onde executivos debatem o futuro do marketing corporativo no Brasil. Luiz Eduardo Baptista, então presidente da Sky Brasil, e atual presidente do Flamengo, dispara a frase que se tornaria o epitáfio da arrogância corporativa brasileira: “Se começarem a nos incomodar, podemos comprar esses caras no Brasil”
Onze anos depois, aquela declaração não apenas envelheceu mal — ela virou estudo de caso sobre como não ler sinais de mercado quando eles ainda são sussurros.
O contexto
Quando Baptista falou, a Sky Brasil controlava aproximadamente 5,6 milhões de assinantes e detinha cerca de 29% de um mercado robusto de 19,24 milhões de clientes pagos. A empresa era a segunda maior operadora do país, atrás apenas do grupo Telmex (Claro/NET). O executivo não apenas subestimou a Netflix — zombou dela publicamente.
“É um produto complementar. A TV paga oferece a opção ao consumidor de um tipo de curadoria no serviço, e o Netflix é hoje quem melhor faz essa função no mercado. Mas, do ponto de vista de concorrência, não faz diferença para a Sky hoje“, declarou categoricamente.
Os números que revelam um massacre silencioso
Netflix no Brasil: de coadjuvante a protagonista
Em 2025, a Netflix detém 25 milhões de assinantes no Brasil, segundo o documento a que a coluna Outro Canal, do site F5, teve acesso, sendo o segundo maior mercado da empresa globalmente, atrás apenas dos Estados Unidos. A receita da plataforma no país atinge R$ 10,4 bilhões anuais — cerca de cinco vezes o faturamento da TV paga brasileira.
Para contextualizar: o mercado brasileiro de streaming fatura R$ 69,7 bilhões em 2025, segundo a Ancine. A Netflix sozinha representa 14,9% desse total. Enquanto isso, a TV paga inteira encolheu para 6,9 milhões de assinantes em agosto de 2025 — menos de um terço da base da Netflix no país
Sky Brasil: a queda livre que não para
Dos aproximadamente 5,6 milhões de assinantes de 2014, a Sky Brasil representa hoje uma fração cada vez menor de um mercado em colapso. A empresa perdeu sua classificação como operadora de “Poder de Mercado Significativo” pela Anatel, não por decisão estratégica, mas por irrelevância numérica.
O colapso é sistêmico: a TV paga brasileira despencou de 19,24 milhões (2014) para 6,9 milhões de assinantes (agosto/2025). Perda de 64,1% em 11 anos. Não foi declínio. Foi extinção em massa.
A Sky global: um fracasso anunciado
Mas não é justo comparar apenas a Sky Brasil com a Netflix global. Vamos aos fatos completos: a Sky como grupo também ruiu mundialmente. A Sky UK foi vendida para a Comcast por US$ 39 bilhões em 2018 — apenas 7,6% do valor atual da Netflix, de US$ 512 bilhões. A Sky Europa perdeu milhões de assinantes para streamings e hoje atua como mera distribuidora da Netflix em seus pacotes.
No Brasil, a situação é ainda pior. A Sky Brasil hoje vale uma fração do que valia em 2014, enquanto a Netflix fatura US$ 46 bilhões anuais (projeção 2025). Para contextualizar: a receita trimestral global da Netflix (US$ 11,51 bilhões no Q3/2025) equivale a R$ 64,6 bilhões — 32 vezes o faturamento anual de toda a indústria brasileira de TV paga.
A decisão de 2007 que mudou tudo
Mas seria injusto atribuir o sucesso da Netflix apenas à incompetência alheia. A empresa tomou uma decisão estratégica brutal em 2007 que a Sky, Blockbuster e Kodak não conseguiram replicar: matar o próprio modelo de negócio antes que o mercado o fizesse.
O timing perfeito
Em 2007, quando a Netflix lançou seu serviço de streaming em 16 de janeiro, a banda larga nos EUA finalmente tinha velocidade suficiente para vídeo online. A empresa não esperou o modelo de DVDs pelo correio se esgotar — canibalizou a si mesma proativamente.
Essa decisão deu à Netflix 7 anos de vantagem sobre concorrentes tradicionais. Quando a Sky começou a se mexer em 2014, a Netflix já dominava algoritmos de recomendação, tinha acordos com fabricantes de eletrônicos para integração nativa em TVs e consoles, e expandia sua presença global rapidamente.
A vantagem do pioneiro que ninguém replica hoje
Se a Netflix tentasse entrar no mercado de streaming hoje, em 2025, dificilmente replicaria seu sucesso. O mercado está fragmentado entre Netflix, Prime Video, Disney+, Max, Paramount+, Globoplay e dezenas de outros players. Nenhum consegue mais de 23% de share no Brasil.
A própria Netflix reconhece isso ao ver sua participação no mercado brasileiro cair de 26% (2024) para 23% (Q1/2025), enquanto Prime Video sobe para 21%. No segundo trimestre de 2025, pela primeira vez, o Prime Video ultrapassou a Netflix no Brasil com 22% contra 21%.
Mas a diferença é que a Netflix entrou quando o terreno era vazio. Construiu marca, biblioteca de conteúdo original (investimento de bilhões em produções como Round 6, Stranger Things), e infraestrutura tecnológica quando ainda não havia concorrência real.
A Sky surfou na onda da TV paga nos anos 2000 exatamente pelo mesmo motivo: timing. Entrou num mercado em expansão, com poucos competidores e consumidores ansiosos por conteúdo além da TV aberta. Mas cometeu o erro clássico: confundiu sorte de timing com invencibilidade do modelo.
Quando Baptista disse “podemos comprar esses caras” em 2014, a Netflix já tinha 7 anos de maturação no streaming. Já operava globalmente. Já tinha queimado bilhões aprendendo a fazer entretenimento digital funcionar.
Sky Brasil hoje: sobrevivendo nos escombros
A Sky Brasil hoje é sombra do que foi em um mercado que encolheu para 6,9 milhões de assinantes (agosto/2025). A empresa perdeu status regulatório de relevância e agora se posiciona como provedora de banda larga via satélite e parceira de redes neutras.
O CEO atual, Gustavo Fonseca, tenta um discurso de reinvenção: a Sky+ (plataforma de streaming) alcançou 2 milhões de usuários na América Latina em 2024. Mas é sobrevivência, não liderança. Em 2024, a Anatel oficialmente declarou que a “TV por assinatura acabou” como categoria relevante.
A lição que o cofundador da Netflix ensinou
No livro A Regra é Não Ter Regras, Reed Hastings, cofundador da Netflix, reflete sobre a reunião de 2000 em Dallas — quando a Blockbuster, gigante de US$ 6 bilhões com 9 mil lojas pelo mundo, riu da proposta da Netflix de ser comprada por US$ 50 milhões.
“Muitas vezes me perguntam: como isso aconteceu? Por que a Netflix conseguiu se adaptar diversas vezes e a Blockbuster não?“, escreve Hastings. “Naquele dia em que fomos a Dallas, a Blockbuster estava com as cartas na mão. Eles possuíam a marca, o poder, os recursos e a visão. A Blockbuster ganhava de nós sem mexer um dedo”.
A resposta, segundo ele, estava na cultura organizacional:
“Não era óbvio na época, nem mesmo para mim, mas nós tínhamos uma coisa que a Blockbuster não tinha: uma cultura que colocava as pessoas acima dos processos, que enfatizava mais a inovação do que a eficiência, e que mantinha pouquíssimos controles. Nossa cultura — focada em alcançar o melhor desempenho com a densidade de talento e em liderar as nossas equipes com contexto em vez de com controle — nos permitiu crescer e mudar continuamente à medida que o mundo e as necessidades de nossos assinantes se transformavam à nossa volta”.
E conclui com a frase que virou mantra da empresa: “A Netflix é diferente. Temos uma cultura em que a regra é não ter regras”.



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