
Como seria o novo imposto que o governo brasileiro quer aplicar nas big techs? Entenda o plano da Cide digital
O governo federal está perto de definir um novo imposto para cobrar diretamente as gigantes da tecnologia que operam no Brasil, empresas como Google, Meta, Apple.
A proposta mais avançada é a criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) voltada exclusivamente para o setor digital. Inspirado em modelos já usados por países como França, Canadá e Itália, o novo tributo permitiria uma cobrança direta sobre a receita das big techs, com base no faturamento gerado a partir de usuários brasileiros.
Mas como funcionaria essa Cide digital na prática? Quem seria afetado? E por que esse tema voltou com força agora? Abaixo, explicamos tudo.
O que é a Cide digital e por que ela é a aposta do governo
A Cide é um tipo de contribuição prevista na Constituição que permite à União intervir em setores estratégicos da economia. Ao contrário de um imposto comum, ela tem função regulatória: serve para reequilibrar distorções de mercado.
A ideia do Ministério da Fazenda é aplicar essa lógica às plataformas digitais — especialmente as estrangeiras — que oferecem publicidade, hospedam conteúdo, coletam dados ou operam meios de pagamento no Brasil, mas que hoje escapam da maioria dos tributos locais.
Com a Cide, o governo poderia estabelecer uma alíquota progressiva sobre o faturamento bruto dessas empresas, de forma escalonada conforme a faixa de receita. E, como se trata de um tributo federal, a arrecadação não precisaria ser dividida com estados ou municípios.
Por que o tema voltou agora?
A discussão sobre tributar as big techs estava praticamente congelada desde o governo de Jair Bolsonaro, quando havia receio de retaliações dos Estados Unidos. Mas a recente decisão do presidente Donald Trump de aplicar tarifas de 50% sobre produtos brasileiros reacendeu o debate.
Em resposta, o presidente Lula foi direto em um discurso em Goiânia: “a gente vai julgar e vai cobrar imposto das empresas americanas digitais.”
Lula: “a gente vai julgar e vai cobrar imposto das empresas americanas digitais”
Outros países já aplicam tributos semelhantes
A proposta brasileira de criar uma Cide digital não é isolada. Diversos países já aplicaram (ou tentaram) implementar impostos sobre serviços digitais voltados às gigantes de tecnologia. Os principais casos são os seguintes:
França
Desde 2019, a França aplica um imposto de 3% sobre a receita obtida por grandes plataformas com publicidade digital, intermediação online e venda de dados de usuários. O chamado Digital Services Tax (DST) mira empresas com faturamento global acima de €750 milhões e receita anual superior a €25 milhões na França.
Em 2024, houve uma tentativa de aumentar a alíquota para até 5%, mas a proposta foi rejeitada. Em junho de 2025, o imposto entrou em debate jurídico: foi levado ao Conselho Constitucional francês, que agora analisa se o DST fere princípios legais do país. Mesmo assim, a cobrança segue ativa enquanto a revisão não é concluída.
Itália, Espanha e Áustria
Esses países adotaram modelos semelhantes, com alíquotas entre 3% e 5%. A Itália, por exemplo, decidiu remover os limites mínimos de faturamento em 2025, ampliando o alcance da cobrança. Os impostos incidem sobre receitas com anúncios digitais, plataformas de venda online e coleta de dados.
Apesar de ameaças anteriores dos EUA, esses países mantiveram suas políticas. A principal crítica por parte de Washington é que esses tributos são discriminatórios contra empresas americanas, mas a União Europeia tem defendido a soberania fiscal de seus membros.
Canadá
O Canadá aprovou sua Digital Services Tax (DST) em junho de 2024, com aplicação retroativa a 1º de janeiro de 2022. A taxa de 3% incidiria sobre receitas obtidas com publicidade digital, licenciamento de dados e operação de marketplaces voltados a usuários canadenses. Estimava-se arrecadar mais de 7 bilhões de dólares canadenses até 2027.
Mas, a poucos dias da primeira cobrança (prevista para 30 de junho de 2025 ) o governo canadense recuou. Diante de forte pressão dos Estados Unidos e sob ameaça de retaliações comerciais, o Ministério da Fazenda anunciou a suspensão definitiva da cobrança e o envio de uma proposta para revogar a lei no Parlamento.
Empresas como o Google, que haviam adicionado sobretaxas a anunciantes para compensar os custos da DST, já iniciaram o cancelamento dessas cobranças e devem realizar reembolsos.
Como o imposto seria aplicado?
O governo brasileiro ainda precisa definir o escopo exato da Cide digital, mas os pontos centrais em discussão incluem:
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Incidência sobre a receita bruta gerada por serviços digitais no Brasil
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Alíquotas escalonadas conforme o faturamento da empresa
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Foco inicial em empresas estrangeiras com operações digitais no país
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Possibilidade de aplicar via medida provisória para acelerar a vigência
Além disso, há estudos para usar a chamada Lei da Reciprocidade, recentemente regulamentada, como base jurídica para cobrar empresas americanas que operam aqui, especialmente se houver tratamento desigual a empresas brasileiras nos EUA.
Há outras opções na mesa?
Sim. Técnicos do governo também analisam alternativas como o aumento da alíquota de IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição sobre o Lucro Líquido) para as big techs. Mas essas saídas são consideradas mais complexas, pois exigem partilha da arrecadação com estados e municípios e podem ser mais difíceis de implementar politicamente.
E a regulação das big techs — vem junto?
Sim, mas por outro caminho. Paralelamente à proposta de tributo, o governo Lula tem dois projetos prontos sobre regulação econômica das plataformas. Um deles, do Ministério da Fazenda, prevê que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) atue como autoridade reguladora do setor digital.
Já o Ministério da Justiça prepara um projeto com foco no que é chamado de transparência algorítmica e responsabilidade das plataformas por conteúdo. Ambos aguardam aval da Casa Civil antes de seguir para o Congresso.
Qual a reação das empresas de tecnologia?
Representantes de Google, Meta, Apple e Visa participaram de uma reunião com o vice-presidente Geraldo Alckmin na segunda-feira (21), discutindo tanto a ameaça de Trump quanto a possibilidade de novas regras no Brasil.
Segundo apuração do jornalista Otávio Guedes, cresce dentro do governo a percepção de que as big techs têm pressionado contra a regulação brasileira — e que o tarifaço pode ser uma tentativa de retaliar decisões do STF sobre responsabilidade das redes sociais.
Próximos passos
A expectativa é que o governo Lula bata o martelo sobre a Cide digital ainda em 2025. Uma medida provisória pode acelerar a entrada em vigor do tributo, mesmo que os detalhes ainda precisem ser negociados no Congresso depois.
O cenário internacional é complexo, e a resposta dos EUA pode vir com pressão diplomática ou comercial. Ainda assim, o Brasil parece disposto a seguir o mesmo caminho trilhado por potências como França e Canadá.
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