
1994: PlayStation nasce, a internet salta para a popularização e o Brasil Improvisa
1994: PlayStation nasce, a internet salta para a popularização e o Brasil Improvisa
O ano de 1994 garantiu um novo nível de experiência nos games. Enquanto a internet ainda era uma curiosidade técnica para poucos, e caminharia para o apelo comercial nos anos seguintes, dois lançamentos no Japão elevaram o entretenimento para outro patamar: o PlayStation, da Sony, e o Sega Saturn. Esses produtos inauguraram a geração dos 32 bits e abriram caminho para a transição do 2D para o 3D nos consoles domésticos.
No Brasil o cenário era de instabilidade: economia incerta, importações restritas, mas uma paixão por games que driblava qualquer barreira. Esse é o primeiro artigo de uma série de reportagens especiais aqui do Hardware.com.br em que iremos relembrar acontecimentos históricos no mercado de games e tecnologia ano a ano. Convido você a embarcar comigo nessa. Hoje, vamos direto para 1994!
Consoles lançados em 1994
Diversas empresas lançaram consoles inovadores (uns bem-sucedidos, outros nem tanto) que fortaleceram a quinta geração de consoles domésticos. Esse conceito de geração surgiu lá nos anos 70, mais precisamente em 1972, com o lançamento do lendário Magnavox Odyssey.
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O primeiro PlayStation, lançado pela Sony em 3 de dezembro de 1994 no Japão chegou como um console de 32 bits focado em gráficos 3D de alta performance. Era a aposta da gigante japonesa após uma parceira frustrada com outra titã do mesmo país, a Nintendo.
Com um processador principal de arquitetura MIPS R3000 rodando a 33 MHz, 2 MB de RAM e leitor de CD-ROM, o PS1 chamou a atenção pela capacidade de renderizar cenários tridimensionais em tempo real. Essa característica permitiu jogos visual mais ricos do que os games em cartucho da geração 16 bits.
Já no lançamento japonês, o PlayStation trouxe oito jogos, incluindo Ridge Racer, o primeiríssimo jogo lançado para o console que se transformaria em uma das grandes marcas da história do entretenimento.
A Sony apostou também em um ecossistema de periféricos curiosos, como o Memory Card para salvar progresso dos jogos e um controle ergonômico que preparou terreno para o futuro DualShock. A estratégia da empresa envolveu atrair desenvolvedores terceiros com kits de desenvolvimento acessíveis e taxas de licenciamento relativamente baixas (cerca de US$10 por jogo, bem menores que as práticas da Nintendo).
A recepção inicial em seu país natal foi positiva: em poucas semanas foram vendidas aproximadamente 300 mil unidades do PlayStation.
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Sega Saturn: um monstro de 2D e 3D… difícil de programar
O Saturn foi lançado em 22 de novembro de 1994 no Japão, custando ¥44.800 (aproximadamente US$440). Seu projeto priorizava a fidelidade das conversões arcade, com destaque para Virtua Fighter, que acompanhava o console em muitos pacotes de lançamento.
O Saturn era praticamente um timaço que impressiona quando olhamos a distribuição dos craques em campo: dois processadores Hitachi SH-2 rodando em paralelo, chips auxiliares para som e gráficos, e suporte a CD-ROM. Era excelente para jogos 2D e competente no ainda emergente 3D. Mas sua arquitetura complexa representava um desafio para desenvolvedores, muitos dos quais migrariam para o PlayStation pela facilidade de criação.
No primeiro mês, o Saturn vendeu cerca de 500 mil unidades no Japão, superando o PS1 no mesmo período. Mas logo surgiram as dificuldades: poucos títulos prontos para o lançamento e limitação no suporte third-party.
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Neo Geo CD: o premium que tentou ser acessível
Com o objetivo de tornar sua plataforma mais acessível, a SNK lançou o Neo Geo CD em 9 de setembro de 1994. O novo console substituía os cartuchos caríssimos (que podiam custar US$200–300) por CDs que saíam por cerca de US$50. O console em si custava entre US$299 e US$399, dependendo da versão e região.
O Neo Geo CD mantinha o mesmo poder do AES: CPU Motorola 68000, gráficos 2D de alta qualidade e suporte a jogos arcade como Samurai Shodown II e Fatal Fury 3. Porém, o drive de CD 1x tornava os tempos de carregamento frustrantes, especialmente entre as lutas.
Um ponto interessante é que o Neo Geo CD foi um dos dos poucos consoles da época a ser region-free, permitindo rodar qualquer jogo de qualquer parte do mundo sem travas.
Outras tentativas curiosas (e algumas frustradas)
- NEC PC-FX: lançado em 23 de dezembro de 1994, apostava em animes e vídeos 2D num mundo que já se movia ao 3D. Vendeu menos de 400 mil unidades.
- Bandai Playdia: console multimídia infantil com base em animes, lançado em setembro de 94. Pouco impacto e suporte.
- Sega 32X: periférico de upgrade para o Mega Drive, lançado em novembro de 94. Fracasso babilônico!
O mundo da tecnologia em 1994:
Em dezembro de 1994, o Netscape Navigator 1.0 foi lançado, marcando o nascimento da navegação web como a conhecemos. Foi a primeira vez que a World Wide Web se apresentou ao grande público com uma interface amigável, uma mudança que colocaria a internet no centro da cultura digital nos anos seguintes.

Naquele momento, o acesso à internet ainda era feito via conexões discadas, utilizando modems de 14.4 ou 28.8 kbps. Serviços como BBS, CompuServe e AOL começavam a ganhar popularidade, mas a maioria das pessoas ainda descobria o que significava “navegar”, ou “surfar na web”. Em termos de sites, o grande destaque que surgiu nesse ano foi o Yahoo!

No mundo dos computadores pessoais, o padrão ainda era MS-DOS e Windows 3.1. O Windows 95 estava a um ano de distância, e conceitos como plug-and-play, multitarefa eficiente ou USB sequer existiam. Os chamados “Multimedia PCs”, equipados com placas de som Sound Blaster (lembra delas?), drives de CD-ROM 2x ou 4x e kits de enciclopédia interativa como o Microsoft Encarta, representavam o auge da tecnologia doméstica.
1994 aconteceu o famoso “bug FDIV do Pentium”, um erro de cálculo na divisão de ponto flutuante que expôs vulnerabilidades mesmo em chips de ponta, forçando a Intel a organizar trocas em massa.
No campo dos jogos para PC, Doom II, System Shock e Warcraft: Orcs & Humans marcaram o avanço dos gráficos 3D em software. Ainda não existiam placas de vídeo 3D dedicadas amplamente disponíveis — a lendária 3dfx Voodoo só viria em 1996 —, mas o terreno estava sendo preparado. A Nintendo, inclusive, anunciou em 1994 que seu futuro console usaria tecnologia gráfica da Silicon Graphics (SGI), selando a parceria que daria origem ao Ultra 64 (mais tarde, Nintendo 64).
Nos fliperamas, Sega e Namco duelavam com máquinas como a Model 2 e a System 22. Jogos como Daytona USA e Ridge Racer, ambos de 1994, mostraram o realismo possível com gráficos poligonais acelerados por hardware dedicado — estabelecendo o padrão que os consoles domésticos teriam que alcançar.
Em resumo, 1994 foi o ano em que a tecnologia de consumo começou a se conectar, literalmente e figurativamente. Consoles deixaram de ser brinquedos para virar centros de entretenimento digital. Computadores pessoais já não serviam apenas para planilhas: viravam ferramentas multimídia. E a internet, ainda em seus primeiros passos, lançava as bases de um novo mundo, onde jogar, aprender, conversar e comprar se tornariam experiências digitais integradas.
Brasil em 1994: criatividade na era do “mercado cinza”
Em 1994, o Brasil vivia uma realidade bem distinta do Japão ou dos Estados Unidos no que dizia respeito à tecnologia e aos videogames. O país acabava de passar por uma de suas maiores transformações econômicas: em julho daquele ano, foi lançado o Plano Real, que estabilizou a moeda após anos de hiperinflação. Pela primeira vez em muito tempo, os brasileiros voltavam a ter previsibilidade de preços, o que, aos poucos, começou a abrir espaço para o consumo de bens, como eletrônicos.
Ainda assim, videogames eram considerados artigos de luxo e sofriam com impostos altíssimos. Até o início da década de 1990, a importação formal desses produtos era severamente restrita por políticas protecionistas e altas tarifas, o que acabou fomentando um mercado cinza extremamente ativo. Famiclones como o Phantom System, Top Game e Dynavision — todos compatíveis com o NES — dominavam as prateleiras nacionais desde os anos 80. Cartuchos piratas, vendidos em camelôs, e consoles trazidos do Paraguai eram a principal porta de entrada para o mundo dos games.
Nesse cenário, a Tectoy se tornou um fenômeno. Desde 1987, a empresa licenciava os produtos da Sega e os tropicalizava para o público brasileiro com grande competência. Em 1994, enquanto o mundo já falava em 32 bits, o Master System ainda era vendido como produto principal no varejo nacional, com novos jogos traduzidos e adaptações brasileiras — como Sítio do Picapau Amarelo e Mônica no Castelo do Dragão. A maioria dos gamers brasileiros seguiu firme no 16-bit, com Mega Drive e Super Nintendo sendo os consoles mais populares.
Do lado da Nintendo, quem assumiu a missão foi a Playtronic (uma joint venture entre Gradiente e Estrela). A empresa já distribuía oficialmente o Super Nintendo e, em abril de 1994, trouxe o Game Boy ao Brasil por US$ 120. Alguns títulos, como Mortal Kombat II, chegaram traduzidos, e as embalagens nacionais eram um diferencial de marketing.
Mesmo com esses esforços, o mercado paralelo reinava. Consoles de última geração, como o PlayStation e o Saturn, eram vendidos de forma não oficial, importados por lojistas independentes ou trazidos por viajantes. Os preços ultrapassavam os mil reais — uma pequena fortuna para a época. Por isso, muitos jogadores experimentavam essas máquinas apenas nas locadoras de games, que se tornaram um verdadeiro ponto de encontro cultural da juventude.
Na ausência de internet popular, a informação vinha das bancas de jornal. Revistas como SuperGamePower, Ação Games, Game Power tinham tiragens expressivas e traziam previews, detonados e rumores que alimentavam o imaginário dos leitores. Foi nelas que muitos brasileiros viram pela primeira vez imagens do PlayStation, do Saturn ou de jogos como Ridge Racer e Virtua Fighter.

Outro console que chegou ao Brasil neste ano foi o 3DO, lançado no mercado internacional no ano anterior. Produto da já visando os 32-bits, o console da Panasonic foi vendido com um valor altíssimo, entre US$ 1.000 e US$ 1.500. Como destaca essa matéria dá época da Folha de S.Paulo, os consoles da Nintendo ou Sega eram vendidos no país respectivamente pela Playtronic e Tec Toy, por US$ 200 a US$ 250.
Tínhamos também o MegaVision, da Dynacom. Graça a um adaptador para 8 bits, era possível usa cartuchos do Mega, Master e Genesis.
Considerações finais
Os consoles lançados em 1994 são marcos tecnológicos. Pela primeira vez, o 3D deixou de ser promessa e virou afirmação. Jogos poligonais, trilhas digitais, CD-ROM como padrão e novas formas de jogar marcaram uma ruptura real com a era anterior.
A entrada da Sony no mercado com o PlayStation mudou o equilíbrio de poder. O modelo de negócios mais aberto, o marketing voltado a jovens adultos e a arquitetura amigável deram início à dinastia PlayStation, encerrando o ciclo de hegemonia Nintendo x Sega que definira a década anterior com uma guerra que até hoje é objeto de estudo. Enquanto isso, o Saturn mostrou a força (e as limitações) da Sega no 3D, e o Neo Geo CD eternizou o espírito arcade em casa — ainda que com limitações.
No entanto, o impacto em 1994 foi além de somente jogos. A internet comercial começava a ganhar forma, o CD-ROM transformava computadores em centros multimídia, e os primeiros sinais de convergência entre tecnologia, mídia e entretenimento já estavam no ar.
Culturalmente, os videogames se distanciaram da imagem de brinquedo. Passaram a ser vistos como mídia, como estilo de vida. O marketing da época, as revistas, os programas de TV e os primeiros flertes com a internet reforçaram essa virada.
Em retrospecto, 1994 foi o ano em que os videogames começaram a se parecer com o que conhecemos hoje. Não é exagero dizer que muito do que jogamos — e como jogamos — nasceu ali. Trinta anos depois, o legado ainda está em cada loading, cada textura e cada música gravada em CD que nos transporta direto para o futuro que começou naquela virada de geração.
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