Liberdade de expressão em xeque: STF autoriza punição de plataformas sem ordem judicial; entenda

Liberdade de expressão em xeque: STF autoriza punição de plataformas sem ordem judicial; entenda

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para reinterpretar o artigo 19 do Marco Civil da Internet, em uma decisão que deve redesenhar os limites da liberdade de expressão online no Brasil. Pela nova orientação, as plataformas poderão ser punidas mesmo sem decisão judicial em casos de conteúdos considerados ilícitos — movimento que alguns especialistas veem como porta aberta para um cenário de censura preventiva.

Até agora, o artigo 19 blindava as plataformas: elas só poderiam ser responsabilizadas caso ignorassem uma ordem judicial explícita. O objetivo era justamente evitar que as empresas removessem conteúdos por medo de punições, criando um ambiente de autocensura. Com a mudança, esse freio jurídico cai em parte.

Gilmar Mendes foi o sexto ministro a aderir à tese da inconstitucionalidade parcial do artigo, consolidando a maioria no julgamento. Apenas André Mendonça votou pela manutenção integral do dispositivo.

Entenda o impacto prático para as redes sociais

A partir de agora, as plataformas terão um novo “dever de cuidado” em relação ao conteúdo publicado pelos usuários. Em determinadas situações — como pornografia infantil, incitação ao suicídio ou terrorismo —, a responsabilização poderá ocorrer mesmo sem ordem judicial.

Mais polêmica, porém, é a inclusão de categorias amplas como “discurso de ódio” e “ataques ao Estado Democrático de Direito”, cujos contornos ainda não estão claramente definidos. A falta de critérios objetivos preocupa juristas e levanta dúvidas sobre a segurança jurídica e os riscos para a liberdade de expressão. “Essa liberdade de expressão pode estar sendo mal utilizada para atacar o Estado de Direito, a incolumidade física das pessoas, inclusive crianças e adolescentes”, afirmou Zanin.

Em declaração ao Gazeta do Povo, o advogado André Marsiglia alerta que esse “esse tipo de formulação aberta dá margem para que críticas legítimas sejam enquadradas como ameaças à democracia”.

Como votaram os ministros até o momento?

Gilmar Mendes

Acompanhou a tese da inconstitucionalidade parcial e defendeu que as plataformas sejam responsabilizadas sem ordem judicial em casos de crimes graves e também em categorias mais amplas, como discurso de ódio.

Flávio Dino

Propôs responsabilização em quatro frentes: pornografia infantil, incitação ao suicídio, crimes contra o Estado Democrático de Direito e tráfico de pessoas. Defendeu que a PGR atue como fiscalizadora enquanto não há nova legislação. Também sugeriu o conceito de “falha sistêmica” — ou seja, punição por tolerância continuada a conteúdos ilícitos.

Cristiano Zanin

Sugeriu que conteúdos “manifestamente ilícitos” sejam removidos sem ordem judicial, especialmente se houver atuação ativa da plataforma na curadoria ou impulsionamento. Propôs que provedores neutros (como serviços de domínio) sigam o regime atual do artigo 19.

Dias Toffoli

Primeiro a propor a mudança, defendeu que plataformas sejam obrigadas a agir preventivamente em casos como racismo, terrorismo, golpismo e desinformação eleitoral. Também apoiou mecanismos extrajudiciais de remoção.

Luiz Fux

Foi além: defendeu que a simples notificação extrajudicial já gere obrigação de remoção imediata, sem necessidade de aguardar decisão judicial. Listou discurso de ódio, racismo e apologia ao golpe entre os conteúdos que gerariam esse dever.

Luís Roberto Barroso

Propôs um modelo híbrido: manutenção da exigência de decisão judicial em crimes contra a honra (calúnia, injúria, difamação), mas responsabilização direta para casos como pornografia infantil e incitação ao terrorismo.

André Mendonça

Único voto contrário à alteração. Defendeu a constitucionalidade integral do artigo 19, afirmando que qualquer mudança deveria ser feita pelo Congresso. Também criticou o bloqueio de perfis e reforçou a necessidade de preservar a liberdade de expressão.

 

O que acontece a partir de agora

Com a maioria formada, o STF passa a estabelecer um novo marco para a responsabilidade das plataformas. Nos próximos dias, os ministros ainda precisarão definir as condições exatas em que as empresas deverão agir e os parâmetros para aplicação das novas regras.

Na prática, porém, o julgamento já projeta um impacto significativo no ecossistema digital brasileiro: empresas como X, Meta, Google e outras deverão rever suas políticas de moderação para se adaptarem ao novo risco jurídico.

O cenário também reaquece um debate político sensível. Em 2023, a Câmara dos Deputados rejeitou avançar com o PL 2630/2020 — conhecido como “PL da Censura” ou “PL das Fake News” — que previa mudanças semelhantes. Agora, com a decisão do STF, parte desse novo regime passa a valer de fato, sem passar pelo Legislativo.

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