Quando Doom virou uma ameaça à Microsoft — e Bill Gates decidiu “entrar no jogo”
Quando Doom virou uma ameaça à Microsoft — e Bill Gates decidiu “entrar no jogo”
Nos anos 90, enquanto a Microsoft tentava empurrar o Windows como o centro da computação pessoal, um jogo de tiro em primeira pessoa virou febre mundial — e expôs uma ferida no império de Bill Gates. Doom, desenvolvido pela id Software, não só ignorava solenemente o Windows, como escancarava as fraquezas do sistema operacional para jogos. A situação incomodou tanto que, em certo momento, Gates decidiu — literalmente — entrar no jogo.
O sucesso de Doom foi uma afronta técnica e simbólica
Lançado em 1993, Doom foi um divisor de águas. Brutal, veloz e distribuído em esquema de shareware, o jogo se espalhou rapidamente via disquetes e BBSs, colonizando os PCs do mundo inteiro. Em 1995, estimativas indicavam que havia mais cópias de Doom rodando do que instalações do recém-lançado Windows 95. Aquilo ligou o alerta vermelho em Redmond.
Não era apenas uma questão de vaidade. Para a Microsoft, a popularidade explosiva do jogo representava uma ameaça estratégica. Se os melhores títulos continuassem dependendo do MS-DOS, o Windows perderia força no mercado doméstico. E o futuro da empresa passava, justamente, por transformar o Windows em uma plataforma completa — inclusive para games.
Carmack, Romero e a rejeição pública ao Windows
Mas os criadores de Doom não estavam dispostos a colaborar. John Carmack considerava o Windows tecnicamente inferior e excessivamente burocrático. Ele preferia trabalhar em ambientes como o NeXTSTEP (desenvolvido pela Next, empresa que Steve Jobs fundou após deixar a Apple). Já John Romero não media palavras. Em 1994, resumiu a situação em uma frase ácida: “DOS sucks. Windows sux.”
Mesmo com essa resistência, a Microsoft não recuou. Um de seus engenheiros, Chris Hecker, criou a biblioteca WinG, tentando melhorar o desempenho gráfico do Windows. Como teste, fez algo ousado: adaptou Doom para rodar no Windows 3.1. A façanha chamou atenção, mas o resultado ainda era limitado. O game mal chegava a 12 frames por segundo.
Bill Gates, que acompanhava essas tendências, chegou a cogitar brevemente adquirir a id Software para assegurar que a franquia Doom e sua tecnologia beneficiassem o Windows. Décadas depois, isso de fato ocorreria – a Microsoft comprou a empresa-mãe da id em 2021 – mas em meados dos anos 90 a ideia de comprar a id era apenas uma possibilidade levantada e não concretizada.
O dia em que Bill Gates virou personagem
Para virar o jogo — ou pelo menos recuperar o prestígio — a Microsoft partiu para o campo simbólico. Às vésperas do lançamento do Windows 95, a empresa criou um vídeo interno surreal: Bill Gates vestido com uma capa preta, segurando uma espingarda e explorando os corredores infernais de Doom.
No clipe, o fundador da Microsoft dispara contra zumbis e finaliza com uma provocação: “Who do you want to execute today?” “A peça foi exibida apenas uma vez, durante a festa temática Judgment Day em outubro de 1995 — e logo foi engavetada pela equipe de PR da Microsoft. Só veio à tona anos depois, graças a um funcionário que preservou uma cópia e a divulgou anonimamente na internet.”
DirectX, Doom95 e a virada da Microsoft no mundo dos games
Por trás do teatro, havia uma jogada séria em andamento. A Microsoft já desenvolvia o DirectX, conjunto de APIs criado para oferecer aos jogos o acesso direto ao hardware — algo que o DOS sempre permitiu com facilidade. A ideia era clara: se o Windows oferecesse desempenho comparável, os desenvolvedores acabariam migrando.
E, de fato, começaram a migrar. Mesmo sem o envolvimento direto da id Software, a Microsoft conseguiu a autorização para portar oficialmente Doom para o Windows. Surgia o Doom95, incluído em coletâneas como The Ultimate Doom e até em CDs promocionais do Windows.
Apesar de imperfeito, o port cumpriu sua função. Ele não só mostrou que o Windows podia rodar jogos exigentes, como também ajudou a consolidar o DirectX como padrão da indústria. Pouco tempo depois, Carmack passou a programar usando Windows NT e a própria id lançou versões nativas para Windows, como o WinQuake e GLQuake.
Um conflito que virou cooperação
O que começou com desconfiança virou aprendizado. Bill Gates, ao invés de ignorar o sucesso de Doom, reconheceu sua importância. E os desenvolvedores, antes críticos ferrenhos do Windows, admitiram que o DirectX trouxe avanços reais. Carmack, inclusive, passou a elogiar a iniciativa em entrevistas posteriores.
Hoje, o vídeo em que Gates aparece dentro de DOOM é visto como um momento icônico da história da tecnologia. Representa o instante em que a Microsoft deixou de tratar jogos como distração passageira — e passou a enxergá-los como pilar estratégico para o futuro do Windows.
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