Entenda o que está por trás do processo que pode obrigar a Meta a vender o Instagram e o WhatsApp

Entenda o que está por trás do processo que pode obrigar a Meta a vender o Instagram e o WhatsApp

Um dos mais importantes julgamentos antitruste da história recente teve início nesta semana nos Estados Unidos, colocando em xeque o império digital construído por Mark Zuckerberg. A Meta, controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp, enfrenta um processo movido pela Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC) que pode resultar na venda forçada de duas de suas principais plataformas: Instagram e WhatsApp.

O caso, que começou a ser julgado no Tribunal Distrital do Distrito de Columbia, representa uma ameaça ao modelo de negócios da Meta e pode reconfigurar completamente o cenário global das redes sociais. A acusação central é de que a empresa teria violado leis antitruste ao adquirir o Instagram em 2012 e o WhatsApp em 2014, eliminando potenciais concorrentes e consolidando um monopólio no mercado de redes sociais.

Com mais de 2 bilhões de usuários em cada uma das plataformas envolvidas, as consequências de uma eventual condenação da Meta teriam impacto global, afetando desde o valor de mercado da empresa até a experiência cotidiana de bilhões de pessoas.

O império digital de Zuckerberg

 Zuckerberg

Para compreender a dimensão deste processo, é necessário revisitar a trajetória da Meta e as aquisições que estão no centro da controvérsia. O Facebook, fundado por Mark Zuckerberg em 2004, rapidamente se tornou a rede social dominante, mas foi com duas aquisições estratégicas que a empresa consolidou seu império digital.

Em abril de 2012, o Facebook anunciou a compra do Instagram por US$ 1 bilhão, uma quantia que na época foi considerada exorbitante para um aplicativo de compartilhamento de fotos com apenas 13 funcionários. Na ocasião, Zuckerberg declarou: “Por anos, nos concentramos em construir a melhor experiência para compartilhar fotos com amigos e familiares. Agora, poderemos trabalhar ainda mais de perto com a equipe do Instagram para oferecer as melhores experiências para compartilhar belas fotos móveis.

O comunicado oficial da empresa enfatizava o compromisso de manter o Instagram como uma plataforma independente: “Estamos comprometidos em construir e fazer crescer o Instagram de forma independente. Milhões de pessoas ao redor do mundo amam o aplicativo Instagram e a marca associada a ele, e nosso objetivo é ajudar a espalhar esse aplicativo e marca para ainda mais pessoas.

Dois anos depois, em fevereiro de 2014, a empresa fez um movimento ainda mais audacioso ao adquirir o WhatsApp por US$ 16 bilhões, com pagamentos adicionais que elevaram o valor total para cerca de US$ 19-22 bilhões. Na época, o aplicativo de mensagens contava com 450 milhões de usuários mensais e registrava 1 milhão de novos usuários por dia.

Ambas as aquisições foram aprovadas pelos órgãos reguladores, incluindo a própria FTC, que agora questiona essas transações. Após as aquisições, tanto o Instagram quanto o WhatsApp experimentaram um crescimento exponencial. O Instagram passou de algumas dezenas de milhões para mais de 2 bilhões de usuários ativos, enquanto o WhatsApp se tornou o aplicativo de mensagens mais utilizado no mundo, também ultrapassando a marca de 2 bilhões de usuários.

Sob o guarda-chuva da Meta, essas plataformas evoluíram significativamente. O Instagram, que começou como um simples aplicativo de compartilhamento de fotos, incorporou recursos como Stories, Reels, compras integradas e ferramentas para criadores de conteúdo. O WhatsApp, por sua vez, expandiu-se além das mensagens pessoais para incluir chamadas de vídeo, recursos para empresas e, mais recentemente, ferramentas de comércio e chatbots.

Essa evolução transformou as duas plataformas em pilares fundamentais do ecossistema da Meta e em fontes cruciais de receita. Segundo estimativas da consultoria Emarketer, o Instagram deve gerar US$ 37,13 bilhões em receita publicitária apenas em 2025, o que representa mais da metade da receita publicitária da Meta nos Estados Unidos. O aplicativo também gera mais receita por usuário do que qualquer outra plataforma social, incluindo o próprio Facebook.

Embora o WhatsApp tenha contribuído historicamente com uma parcela menor da receita total, é o maior aplicativo da empresa em termos de usuários diários e tem intensificado seus esforços para monetização através de ferramentas como chatbots e soluções para empresas. Mark Zuckerberg já afirmou que as “mensagens comerciais” provavelmente impulsionarão a próxima onda de crescimento da empresa.

A Estratégia “Buy or Bury”

Zuck

No centro do processo antitruste contra a Meta está a acusação de que a empresa adotou uma estratégia conhecida como “buy or bury” (“comprar ou enterrar”), que consistiria em adquirir potenciais concorrentes para neutralizá-los ou, caso não conseguisse comprá-los, usar seu poder de mercado para sufocar a concorrência.

Daniel Matheson, advogado da FTC, afirmou no início do julgamento que essa estratégia ilegal “estabeleceu barreiras à entrada que, por mais de uma década, protegeram a dominância da Meta“. Segundo ele, “os consumidores não têm alternativas razoáveis às quais possam recorrer“.

Entre as principais provas reunidas pela acusação estão e-mails internos de Mark Zuckerberg e outros executivos da Meta. Em um deles, o CEO teria afirmado que é “melhor comprar do que competir”. Em outro memorando, a empresa admite que o objetivo da compra do Instagram era “neutralizar um concorrente em potencial”.

Um e-mail de Zuckerberg citado pela FTC revela suas preocupações sobre o Instagram: “O impacto potencial do Instagram é realmente assustador e é por isso que talvez devêssemos considerar pagar muito dinheiro por isso.” A FTC argumenta que a aquisição do WhatsApp pela Meta seguiu o mesmo padrão, com Zuckerberg temendo que o aplicativo de mensagens pudesse se transformar em uma rede social ou ser comprado por um concorrente.

A definição do mercado relevante é um ponto crucial na argumentação da FTC. A comissão alega que a Meta detém um monopólio sobre plataformas usadas para compartilhar conteúdo com amigos e familiares, sendo seus principais concorrentes nos Estados Unidos o Snapchat e o MeWe, um pequeno aplicativo com foco em privacidade lançado em 2016.

Segundo a FTC, plataformas onde os usuários transmitem conteúdo para estranhos com base em interesses compartilhados — como X, TikTok, YouTube e Reddit — não seriam intercambiáveis com as plataformas da Meta. Essa distinção é fundamental para o caso, pois delimita o mercado onde a Meta supostamente exerceria seu poder monopolístico.

Diferentemente de muitos casos antitruste tradicionais, que focam em aumentos de preço por serviços, a abordagem da FTC para este caso centra-se na alegação de que os usuários foram prejudicados pelas práticas da Meta. Isso representa uma evolução na aplicação das leis antitruste, adaptando-as ao contexto de serviços digitais gratuitos, onde o “preço” pago pelos usuários está relacionado à privacidade, qualidade do serviço e opções de escolha.

A defesa da Meta

FTC contra Meta

A Meta tem se defendido vigorosamente das acusações, argumentando que opera em um mercado altamente competitivo e que as aquisições do Instagram e WhatsApp foram aprovadas pelos reguladores na época.

Um dos principais argumentos da defesa é que suas plataformas competem ativamente com outros gigantes do setor, como TikTok, YouTube, X (antigo Twitter) e iMessage. Em comunicado, a empresa destacou que “Instagram, Facebook e WhatsApp disputam usuários e anunciantes em um mercado altamente competitivo” e que “as evidências mostrarão o que qualquer jovem de 17 anos sabe: Instagram, Facebook e WhatsApp competem com TikTok, YouTube, X, iMessage e muitos outros“.

Para reforçar esse ponto, a Meta argumenta que o aumento de tráfego no Instagram e Facebook durante uma breve paralisação do TikTok nos EUA em janeiro demonstra a existência de concorrência direta entre as plataformas.

Zuckerberg tentou rebater as alegações de que a Meta teve o objetivo de acabar com a concorrência ao comprar outras duas plataformas que também permitem conectar amigos e familiares. Segundo ele, o objetivo do Facebook vai além disso: “A grande maioria da experiência gira mais em torno da exploração de seus interesses, entretenimento, coisas assim. Essa tem sido a tendência ao longo de toda a história da empresa”.

O executivo disse que a empresa identificou que usuários do Facebook querem ter acesso ao que seus amigos publicam, mas também interagir com conteúdo de influenciadores que eles não conhecem pessoalmente. “As pessoas continuaram se envolvendo com mais e mais coisas que não eram o que seus amigos estavam fazendo”, afirmou.

Outro argumento central da defesa é que a FTC aprovou as aquisições quando foram feitas e não deveria ter permissão para rever tais deliberações. A Meta ressalta que reverter essas decisões agora enviaria a mensagem de que “nenhum acordo está verdadeiramente concluído”, impactando a segurança jurídica de fusões e aquisições no país.

A diretora jurídica da Meta, Jennifer Newstead, classificou o caso como fraco e um desestímulo ao investimento em tecnologia. “É absurdo que a FTC esteja tentando desmontar uma grande empresa americana ao mesmo tempo em que o governo tenta salvar o TikTok, que é de propriedade chinesa”, escreveu ela em um post.

A defesa também argumenta que investimentos substanciais transformaram essas aquisições nos sucessos que são hoje, com pouca semelhança com suas versões originais. Segundo a Meta, as plataformas melhoraram a experiência dos usuários de maneira geral após as aquisições, beneficiando consumidores e anunciantes.

Uma queda de braço entre Big Techs e Governo americano

 Big Tech and Government

O processo antitruste contra a Meta está inserido em um contexto político e jurídico complexo, que envolve a relação entre as big techs e o governo americano, bem como precedentes de outros casos similares.

O caso foi aberto originalmente em dezembro de 2020, durante o primeiro governo de Donald Trump, e todos os olhares estavam voltados para a possibilidade de Trump suavizar sua postura contra as big techs durante seu segundo mandato na Casa Branca.

As relações entre Zuckerberg e Trump estavam distantes, em parte porque Trump foi banido das plataformas de mídia social da Meta após o tumulto no Capitólio dos EUA em janeiro de 2021. No entanto, desde então, o relacionamento entre ambos melhorou um pouco.

Zuckerberg fez repetidas visitas à Casa Branca na tentativa de persuadir o líder americano a optar por um acordo em vez de contestar o julgamento. Os esforços de lobby do CEO da Meta incluíram contribuições de US$ 1 milhão para o fundo de posse de Trump e o anúncio de reformas nas políticas de moderação de conteúdo nas plataformas, em favor da visão republicana sobre o tema.

A Meta também anunciou em janeiro que estava eliminando verificadores de fatos independentes — medida que agradou Trump — e que Dana White, um aliado próximo de Trump, se juntaria ao seu conselho de diretores.

A decisão de Trump de demitir dois comissários da FTC em março também pesa sobre o caso. Os democratas Rebecca Kelly Slaughter e Alvaro Bedoya eram minoria na comissão de cinco vagas, onde há três republicanos. Slaughter e Bedoya — que estão processando o governo Trump para serem reintegrados — dizem que a decisão de expulsá-los teve a intenção de intimidá-los.

“O presidente enviou um sinal muito claro não apenas para nós, mas também para o presidente [da FTC, Andrew] Ferguson e a comissária [Melissa] Holyoak de que, se eles fizessem algo que ele não goste, ele poderá demiti-los também”, disse Slaughter. “Então, se eles não quiserem fazer um favor aos aliados políticos [de Trump], eles também estarão ameaçados de serem cortados.”

Ferguson, que foi nomeado presidente da FTC por Trump, disse recentemente ao site The Verge que “obedeceria a ordens legais” quando perguntado sobre o que faria se o presidente o instruísse a desistir de um processo como o movido contra a Meta. Ferguson acrescentou que ficaria muito surpreso se algo assim acontecesse.

O caso da Meta não está isolado. Ele faz parte de uma série de processos antitruste movidos pela FTC e pelo Departamento de Justiça dos EUA contra grandes empresas de tecnologia. O caso FTC contra Meta começa no momento em que outro grande caso antitruste — EUA contra Google — entra na fase de recursos.

O Departamento de Justiça venceu a primeira fase do caso no verão passado, quando o juiz Amit Mehta concluiu que o Google detém o monopólio das pesquisas online, com uma participação de mercado de cerca de 90%. No mês passado, o Departamento de Justiça reiterou uma exigência feita durante o governo do ex-presidente Joe Biden para que um tribunal quebrasse o monopólio de buscas do Google.

Além da Meta e do Google, Apple e Amazon também enfrentam processos antitruste. Está marcada para a próxima segunda-feira, 21 de abril, uma audiência sobre o caso que envolve o Google, que poderá ser forçado a vender o navegador Chrome após decisão que apontou monopólio no mercado de buscas.

O juiz distrital dos EUA James Boasberg, que decidirá e presidirá o caso da Meta, afirmou em uma decisão de novembro que a FTC “enfrenta questões difíceis sobre se suas alegações se sustentarão no crivo do julgamento”. Essa observação sugere que a FTC terá um caminho desafiador pela frente.

O que acontece se a FTC vencer?

Meta

Se a FTC vencer o caso contra a Meta, as consequências seriam profundas e de longo alcance, não apenas para a empresa, mas para todo o ecossistema digital e seus bilhões de usuários.

Para a Meta como empresa, a perda do Instagram representaria um golpe financeiro devastador. Como mencionado anteriormente, o Instagram deve gerar US$ 37,13 bilhões em receita publicitária apenas em 2025, o que representa mais da metade da receita publicitária da Meta nos Estados Unidos. O aplicativo também gera mais receita por usuário do que qualquer outra plataforma social, incluindo o próprio Facebook.

Embora o WhatsApp contribua com uma parcela menor da receita total, é o maior aplicativo da empresa em termos de usuários diários e está intensificando os esforços para monetização. Mark Zuckerberg já afirmou que as “mensagens comerciais” provavelmente impulsionarão a próxima onda de crescimento da empresa, o que torna a possível perda do WhatsApp um revés estratégico significativo para os planos futuros da Meta.

Do ponto de vista do mercado de ações, analistas estimam que um desmembramento forçado poderia reduzir significativamente o valor de mercado da Meta, que atualmente ultrapassa US$ 1,5 trilhão. A incerteza gerada pelo processo já tem impactado a percepção dos investidores sobre a empresa.

Para os usuários das plataformas, as consequências são menos claras. Por um lado, a FTC argumenta que a separação do Instagram e WhatsApp da Meta poderia restaurar a concorrência no mercado, potencialmente levando a mais inovação e melhores serviços. Por outro lado, a Meta argumenta que a integração entre suas plataformas beneficia os usuários, permitindo experiências mais fluidas e recursos compartilhados.

Uma questão prática importante é como seria realizada a separação técnica dessas plataformas, que ao longo dos anos se tornaram cada vez mais integradas. A Meta investiu significativamente na interoperabilidade entre Facebook, Instagram e WhatsApp, incluindo recursos como mensagens cruzadas entre plataformas. Desfazer essa integração seria um desafio técnico considerável.

Para o mercado de tecnologia e redes sociais como um todo, o caso estabeleceria um precedente significativo. Se a FTC vencer, isso poderia encorajar reguladores a adotar uma postura mais agressiva em relação a outras big techs e suas práticas de aquisição. Empresas como Apple, Amazon e Google, que também enfrentam processos antitruste, estariam sob maior escrutínio.

O caso também poderia influenciar como as empresas de tecnologia abordam fusões e aquisições no futuro. A possibilidade de que acordos aprovados pelos reguladores possam ser posteriormente contestados e revertidos introduz um novo nível de incerteza no planejamento estratégico dessas empresas.

No cenário global, uma decisão contra a Meta nos EUA poderia inspirar ações regulatórias semelhantes em outras jurisdições. A União Europeia, por exemplo, já tem adotado uma postura mais rigorosa em relação às big techs com seu Regulamento dos Mercados Digitais (DMA) e poderia ver uma decisão americana como um incentivo para intensificar seus próprios esforços regulatórios.

Conclusão

O julgamento antitruste contra a Meta representa um momento decisivo não apenas para o futuro da empresa, mas para toda a indústria de tecnologia. Com duração prevista de sete a oito semanas, o processo deve se estender até julho de 2025, mantendo em suspense o destino de plataformas que fazem parte do cotidiano de bilhões de pessoas em todo o mundo.

Independentemente do resultado, o caso já está moldando o debate sobre o papel das big techs na sociedade e a adequação das leis antitruste tradicionais para lidar com os desafios únicos da economia digital. A tensão entre permitir que empresas inovadoras prosperem e evitar concentrações excessivas de poder de mercado continuará a ser um tema central nas discussões sobre regulação tecnológica nos próximos anos.

Para a Meta, o desafio é existencial. Perder o Instagram e o WhatsApp não apenas reduziria drasticamente sua receita e base de usuários, mas também comprometeria sua visão estratégica de longo prazo, incluindo investimentos em realidade virtual e metaverso.

Para os usuários, o resultado do julgamento pode não ser imediatamente perceptível, mas a longo prazo poderá determinar quem controla as plataformas que usamos para nos comunicar, compartilhar momentos e consumir informações.

O juiz James Boasberg, que presidirá o caso, terá a difícil tarefa de equilibrar princípios legais estabelecidos com as realidades de um setor em rápida evolução. Se a FTC vencer, terá de provar em um segundo julgamento que medidas como a venda do Instagram ou do WhatsApp pela Meta restaurariam efetivamente a concorrência.

Fontes: G1InfoMoney; UOL, Meio & Mensagem; Forbes Brasil; Exame; Meta e American Action Forum

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