IA já é melhor que humanos em criar histórias, diz Harari

IA já é melhor que humanos em criar histórias, diz Harari

O historiador israelense Yuval Noah Harari, autor de Sapiens e Homo Deus, concedeu uma entrevista para a Wired Japão em que fala sobre sua obra mais recente, Nexus: Uma breve história das redes de informação, da Idade da Pedra à inteligência artificial. O livro propõe uma reflexão urgente sobre o papel da inteligência artificial (IA) na sociedade atual e o futuro das democracias em um mundo dominado por redes de informação e algoritmos autônomos.

A IA já supera os humanos em contar histórias

Harari

Para Harari, o ponto mais preocupante da ascensão da inteligência artificial não é apenas sua capacidade de processar dados, mas de criar narrativas poderosas — algo que, até agora, era exclusivo dos humanos.

“Pela primeira vez, compartilhamos o planeta com entes melhores do que nós em criar histórias”, afirma.

As histórias são o que permite à humanidade cooperar em larga escala — religiões, moedas, Estados e sistemas financeiros são todos baseados em narrativas compartilhadas. Agora, segundo Harari, a IA também é capaz de criar essas histórias, e talvez com mais eficiência e apelo do que nós.

O mercado da informação favorece a ficção

O autor critica a ideia utópica dos anos 1990 de que mais informação levaria à paz e ao entendimento global. Para ele, o que vemos hoje é o oposto: quanto mais informação, mais ruído.

Harari explica que a verdade tem um custo alto, exige tempo e esforço para ser verificada. Já a ficção é barata, simples e agradável — o que faz com que domine o mercado de atenção.

A IA não é uma ferramenta. É um agente autônomo

A grande diferença entre a IA e as tecnologias anteriores é que ela não precisa de humanos para funcionar. Enquanto a imprensa, o rádio e a TV dependiam de conteúdo criado por pessoas, a IA pode gerar sozinha seus próprios textos, imagens, códigos — e decidir o que será disseminado. “A IA não é uma ferramenta. É um agente.”

Esse novo agente pode criar novas moedas, redes de confiança e até sistemas de cooperação mais eficazes que os humanos — um território totalmente inexplorado pela nossa história.

Singularidade: estamos próximos do ponto de não retorno?

Harari descreve a singularidade como o momento em que a realidade se torna incompreensível para o ser humano. E, segundo ele, esse ponto está cada vez mais próximo — não por causa de uma IA centralizada e onipotente, mas por milhões de IAs interconectadas, moldando a política, a economia e a cultura de forma acelerada e imprevisível.

O paradoxo da confiança

Mesmo sabendo dos riscos, países e empresas estão numa corrida desenfreada pelo desenvolvimento da IA. Por quê? Porque ninguém confia no outro o suficiente para desacelerar. Esse é, para Harari, o maior paradoxo da era da IA: estamos criando sistemas que exigem confiança absoluta, mas somos incapazes de confiar nem mesmo uns nos outros.

Podemos ficar presos em ilusões criadas pela IA

Harari alerta para um risco profundo: a perda completa de contato com a realidade. Se a IA dominar a criação de conteúdos — de textos a filmes, passando por memes e experiências digitais — as pessoas viverão imersas em realidades simuladas, personalizadas e invisivelmente manipuladoras.

Essa sensação de viver numa “ilusão digital” já era prevista em tradições filosóficas e religiosas, como o conceito budista de Māyā. A diferença é que agora essa ilusão não vem de dentro da mente humana, mas de sistemas externos que não conseguimos compreender ou controlar.

A urgência de criar mecanismos de autocorreção

Por fim, Harari afirma que ainda não temos um modelo histórico para construir uma sociedade com IA. Não sabemos prever os impactos sociais de sistemas autônomos operando em larga escala — e isso torna essencial a criação de mecanismos de autocorreção.

“É como o início das ferrovias: podíamos testar locomotivas no laboratório, mas não prever como mudariam o mundo real.”

Harari também já apontou que embora tenhamos a tecnologia de informação mais avançada da história estamos perdendo a capacidade de nos comunicar e nos ouvir. Para o historiador, a IA tem prejudicado a capacidade de diálogo entre as pessoas, o que é crucial para discutir questões como políticas econômicas e orçamentárias.

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