Em 1996, Steve Jobs mostrou o que faria da Pixar um império bilionário: “Não é a tecnologia, é a história””
Em 22 de novembro de 1996, exatamente um ano após a estreia de Toy Story nos cinemas, Steve Jobs concedeu uma entrevista de 22 minutos que nunca havia sido divulgada publicamente. O material oferece um testemunho raro sobre o modelo de negócios que salvou a Pixar e moldou o retorno triunfal de Jobs à Apple apenas semanas depois.
Na época da entrevista, a Pixar tinha crescido cerca de 70% em menos de um ano, enquanto seu segundo longa, Vida de Inseto, estava em fase inicial de produção, com lançamento previsto para 1998. Nos bastidores, Steve Jobs usava o sucesso avassalador de Toy Story para renegociar a parceria da Pixar com a Disney. O filme, que arrecadou quase US$ 400 milhões globalmente e foi o de maior bilheteria em 1995, não só revolucionou a indústria, mas também impulsionou o crescimento acelerado do estúdio.”
O IPO que mudou tudo
Uma semana após a estreia de Toy Story, a Pixar abriu capital em 29 de novembro de 1995, no que se tornou o maior IPO daquele ano. As ações, que deveriam ser precificadas entre US$ 12 e US$ 14, abriram a US$ 47 e fecharam o primeiro dia a US$ 39 — uma valorização de 175% sobre o preço inicial de US$ 22. A empresa alcançou uma avaliação de mercado de aproximadamente US$ 1,5 bilhão.
Jobs, que detinha 80% da Pixar após adquirir a divisão de computação gráfica da Lucasfilm por US$ 10 milhões em 1986, tornou-se bilionário naquele dia “Obviamente, estamos muito felizes”, declarou Jobs na época. “O que conseguimos fazer foi casar a cultura tecnológica do Vale do Silício com a cultura criativa de Hollywood, sobre a qual todos falam, mas ninguém mais concretizou”.
A hierarquia de poder invertida
Na entrevista de 1996, Jobs revelou o princípio de gestão que considerava revolucionário: quando você trabalha com talentos excepcionais e raros, “acontece essa coisa estranha, que é a hierarquia de poder se inverter. E o CEO fica, na verdade, na base da pirâmide”.
“Eu meio que sinto que trabalho para a maioria dessas pessoas, porque são elas que estão fazendo todo o trabalho brilhante”, explicou Jobs. “O papel da gestão é apoiá-las, porque elas estão na linha de frente fazendo o trabalho”. A filosofia se estendia à estrutura organizacional: a Pixar conseguiu reunir cerca de 100 pessoas criativas, uma equipe técnica excepcional e uma equipe de produção incrível — e descobriu uma maneira de fazê-las trabalhar juntas como pares, algo único na indústria
Contratos versus ações: o modelo do Vale do Silício
Jobs foi categórico ao rejeitar o modelo tradicional de Hollywood baseado em contratos. “Hollywood usa o bastão, que é o contrato, e o Vale do Silício usa a cenoura, que é a opção de ações”, comparou. A Pixar adotou o segundo modelo, dando participação acionária aos funcionários para que todos compartilhassem o mesmo objetivo: criar valor para o acionista.
“Quando você assina um contrato com alguém, você pode dizer: ‘Bem, não preciso me preocupar com essa pessoa por cinco anos’”, observou Jobs. “Nosso sistema é um pouco diferente. Todos os dias, nos preocupamos em como podemos tornar a Pixar uma empresa melhor para que ninguém nunca queira sair. E não damos nada como garantido”.
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A lição da Disney que salvou milhões
Trabalhar com a Disney no desenvolvimento de Toy Story deu à Pixar acesso a décadas de conhecimento acumulado que “você não pode comprar por amor ou dinheiro”, segundo Jobs. A lição mais valiosa veio de uma realidade financeira brutal: em um filme live-action, o diretor normalmente filma de 10 a 25 vezes mais material do que aparecerá na tela final. Em animação, o custo inviabiliza essa abordagem.
Walt Disney percebeu há décadas que a animação era tão cara que “você não pode dar ao luxo de animar nem 10% a mais do que precisa”. A única conclusão possível: você precisa editar seu filme antes de fazê-lo. A Disney foi pioneira em técnicas para isso e as refinou ao longo de 60 anos. Durante a produção de Toy Story, uma infame exibição-teste na Black Friday com executivos da Disney quase levou ao cancelamento do projeto — a equipe recebeu apenas duas semanas para repensar e resolver problemas fundamentais na história
Histórias que duram 60 anos
Jobs fez uma reflexão profunda sobre a diferença entre produzir tecnologia e produzir conteúdo. Ele observou que dificilmente você encontraria um Apple II funcionando em 1996 (esse computador foi lançado em 1977), e não estava claro se seria possível ligar um Macintosh dali a cinco anos (o primeiro Macintosh é de 1984). Produtos de tecnologia, se têm vida útil de um ou dois anos, são sortudos; se chegam a cinco anos, são extraordinários.
Em contraste, a Disney lançou Branca de Neve em 1937 e, 60 anos depois, relançou o filme em VHS vendendo 28 milhões de cópias e faturando cerca de US$ 250 milhões. “Não conheço uma pessoa que não tenha assistido”, disse Jobs. “Essas histórias se renovam a cada geração de crianças. São nossos mitos”.
Assistindo seu filho pequeno assistir Branca de Neve 30 ou 40 vezes, Jobs compreendeu o verdadeiro propósito da Pixar: “Ter a oportunidade de colocar essas histórias na cultura dessa forma, se conseguirmos trabalhar muito duro e ter sorte repetidas vezes, é uma oportunidade rara. E acho que todos na Pixar se sentem realmente privilegiados por ter essa oportunidade”.
O legado além da tecnologia
A entrevista foi gravada semanas antes de Jobs retornar à Apple em dezembro de 1996, quando a empresa adquiriu a NeXT por US$ 429 milhões. Ele assumiria oficialmente como CEO em 1997, salvando a companhia que estava à beira da falência. A experiência na Pixar moldou profundamente sua visão de liderança: construir uma empresa sobre ideias atemporais tornadas novas através da tecnologia.
A aposta de Jobs na Pixar continuou rendendo dividendos. O estúdio produziu sucessos como Procurando Nemo, Os Incríveis e Ratatouille. Em 2006, a Disney adquiriu a Pixar por US$ 7,4 bilhões em ações, transformando Jobs no maior acionista individual da Disney, com 7% de participação avaliada em US$ 3,9 bilhões.
Na entrevista de 1996, Jobs já havia articulado o mantra que guiaria o estúdio: “Não é a tecnologia, é a história. A verdadeira magia está em contar uma boa história que perdure.”
Trinta anos depois, Toy Story 5 está em produção com lançamento previsto para 19 de junho de 2026, comprovando que a aposta em histórias que duram gerações — não em tecnologia de ponta — foi o verdadeiro diferencial competitivo da Pixar.
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