Anatel cria laboratório para combater provedores clandestinos ligados ao crime organizado

Anatel cria laboratório para combater provedores clandestinos ligados ao crime organizado

 A Anatel anunciou a criação de um laboratório de inteligência em parceria com o Ministério da Justiça, especificamente desenhado para desarticular redes clandestinas de provedores de internet que têm financiado e facilitado operações do crime organizado em comunidades de todo o país.

O anúncio foi feito pelo conselheiro Edson Holanda durante o evento NEO 2025, realizado em Salvador. A iniciativa representa uma mudança de postura da agência reguladora, que passa a tratar o problema não apenas como uma questão de conformidade regulatória, mas como um desafio de segurança pública.

O problema que motivou a ação

Anatel

Os números são alarmantes. No Rio de Janeiro, aproximadamente 80% das empresas de internet que operam em comunidades da capital estão sob controle direto ou associadas a grupos criminosos, segundo dados da Agência Brasil. O que começou como empreendedorismo informal transformou-se em monopólios violentos, onde facções determinam quem pode ou não oferecer serviços de conectividade.

Essas operações clandestinas não apenas facilitam atividades criminosas, mas também representam uma fonte robusta de financiamento para o crime organizado. O controle territorial exercido por essas facções impede que provedores legítimos operem nessas áreas, criando zonas onde o Estado tem dificuldade de garantir direitos básicos aos cidadãos.

Para os moradores dessas comunidades, a situação é particularmente grave. Eles ficam reféns de serviços instáveis, sem qualquer garantia legal ou possibilidade de reclamação formal. Problemas técnicos, interrupções arbitrárias e cobranças abusivas tornam-se rotina, sem qualquer canal de defesa do consumidor.

A estratégia dupla da Anatel

O plano da agência reguladora vai além da repressão tradicional. A Anatel propõe uma abordagem que distingue empreendedores que enfrentam barreiras burocráticas daqueles que operam com propósitos criminosos.

O laboratório de inteligência atuará na identificação e desmantelamento de redes complexas, usando análise de dados, rastreamento de equipamentos e articulação com forças de segurança. O objetivo é mapear as estruturas organizacionais, fluxos financeiros e conexões com facções criminosas.

Paralelamente, a agência desenvolveu uma “solução de conformidade via atacado” que oferece um caminho de regularização para pequenos provedores informais. Através dessa iniciativa, microempresários poderão utilizar a infraestrutura de grandes operadoras para formalizar seus negócios, reduzindo custos iniciais e barreiras regulatórias.

Essa estratégia reconhece uma realidade importante: nem todo provedor informal é criminoso. Muitos são empreendedores locais que iniciaram seus negócios para atender demandas não supridas pelas grandes operadoras, mas que se viram perdidos em meio à burocracia regulatória brasileira.

O papel do e-commerce na cadeia irregular

Outro foco da ação da Anatel será intensificar o diálogo com plataformas de comércio eletrônico. Essas empresas têm sido canais importantes para a comercialização de equipamentos não homologados, fundamentais para a operação de redes clandestinas.

Roteadores, antenas e amplificadores de sinal vendidos sem certificação da Anatel permitem que operadores irregulares montem infraestruturas completas com investimentos mínimos. Além disso, esses equipamentos são frequentemente usados para pirataria de conteúdo audiovisual, outro problema que afeta tanto o mercado legal quanto os detentores de direitos autorais.

O conselheiro Edson Holanda destacou que a fiscalização desses canais de venda será essencial para estrangular o fornecimento de ferramentas que viabilizam operações clandestinas. A expectativa é que marketplaces passem a adotar mecanismos mais rigorosos de verificação de certificação antes de permitir a comercialização desses produtos.

Impacto sobre os 23 mil provedores legais

O mercado brasileiro de pequenos provedores é robusto e legítimo. Existem aproximadamente 23 mil empresas regionais que cumprem todas as obrigações legais, fiscais e trabalhistas, oferecendo emempregos formais e contribuindo para a arrecadação tributária.

Essas empresas sofrem diretamente com a concorrência desleal dos operadores clandestinos, que não arcam com os mesmos custos regulatórios, tributários e trabalhistas. A diferença de custos permite que provedores irregulares ofereçam preços artificialmente baixos, distorcendo o mercado e prejudicando quem opera dentro da lei.

Para o setor formal, a iniciativa da Anatel representa um alívio e uma promessa de ambiente competitivo mais justo. Associações de provedores regionais têm pressionado a agência há anos por medidas mais efetivas contra a informalidade e o crime organizado no setor.

A mudança regulatória que apertou o cerco

O laboratório de inteligência não surge isoladamente. Em junho de 2025, a Anatel aprovou a Resolução Interna nº 449, que estabeleceu um plano abrangente para combater a concorrência desleal no setor de telecomunicações.

A principal mudança foi o fim da dispensa de outorga para empresas com até 5 mil acessos. Anteriormente, essas empresas podiam operar apenas com uma notificação simples à agência, sem passar por um processo formal de autorização.

Essa brecha facilitava a operação de empresas informais e dificultava a fiscalização. Estudos internos da Anatel revelaram que mais de 41% das empresas habilitadas não enviavam informações obrigatórias sobre seus números de acessos. Entre as empresas dispensadas de outorga, esse índice ultrapassava 55%.

A falta de dados confiáveis sobre o mercado prejudicava não apenas a fiscalização, mas também o planejamento de políticas públicas e a compreensão da real dimensão da prestação irregular de serviços no país.

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