Adobe em queda livre: entenda por que a gigante do design enfrenta sua maior crise em décadas

Adobe em queda livre: entenda por que a gigante do design enfrenta sua maior crise em décadas

A Adobe, sinônimo global de criatividade digital e dona de softwares icônicos como Photoshop e Premiere Pro, vive um momento crítico que vai muito além da simples volatilidade do mercado. Em outubro de 2025, a empresa enfrenta uma tempestade: suas ações despencaram mais de 30% no último ano, acumulando queda de 22,1% apenas em 2025, enquanto a insatisfação de criativos atinge níveis sem precedentes. A combinação de problemas financeiros, escândalos de práticas comerciais questionáveis e a ascensão avassaladora da inteligência artificial generativa coloca em xeque o domínio histórico da Adobe no universo que ela ajudou a moldar.

A hemorragia no mercado

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Os números são implacáveis. As ações da Adobe fecharam a US$ 343,40 em 20 de outubro de 2025, registrando alta de 3,04% no dia, mas ainda representando uma queda de mais de 38% em relação ao pico anual de US$ 557,90 e vaporizando cerca de US$ 150 bilhões em valor de mercado desde 2021. Em um período de cinco anos, a empresa acumulou perdas significativas — algo raro para uma companhia que já foi considerada intocável no setor de software criativo.

Analistas apontam que essa crise não é apenas uma correção temporária. A empresa negocia com um índice preço/lucro de 21,42x, significativamente abaixo da média da indústria de software de 35,3x e dos pares de 61,3x. Com capitalização de mercado de US$ 143,75 bilhões e médias móveis de 50 e 200 dias em US$ 350,72 e US$ 386,83 respectivamente, os indicadores técnicos sinalizam tendência de baixa sustentada. Embora alguns especialistas argumentem que isso representa uma oportunidade de compra — com preço-alvo médio dos analistas em US$ 433,41 — outros alertam que o declínio reflete uma mudança estrutural, não uma oscilação passageira.

A revolta do público que construiu a Adobe

Enquanto Wall Street reage aos números, os usuários da Adobe enfrentam uma realidade ainda mais desgastante. A transição da empresa para o modelo de assinatura Creative Cloud, inicialmente celebrada como democratização do acesso aos softwares, transformou-se em fonte de ressentimento generalizado entre a comunidade criativa.​

A principal fonte de indignação reside no modelo de assinatura “Anual, Pago Mensalmente” — uma armadilha disfarçada de conveniência. O plano funciona assim: o usuário paga mensalmente, mas assina um contrato anual. Se precisar cancelar antes do prazo, enfrenta uma taxa equivalente a 50% das obrigações contratuais restantes.​

No Brasil, onde o plano Creative Cloud Pro (antigo “Todos os Aplicativos”) custa R$ 320 mensais desde agosto de 2025, essa taxa pode ser devastadora. Um usuário brasileiro que cancelar no sexto mês pagará R$ 960 de multa — três meses de assinatura jogados fora sem usar o serviço. Estudantes e professores, que pagam R$ 139 no primeiro ano e R$ 189 nas renovações, enfrentariam multas de R$ 417 e R$ 567 respectivamente no mesmo cenário. Há apenas uma exceção: cancelamentos dentro dos primeiros 14 dias têm reembolso total.

A revolta é amplificada no Reclame Aqui, onde usuários brasileiros denunciam dificuldade extrema para cancelar e cobranças que consideram abusivas. Muitos relatam que o processo exige navegação por múltiplas telas de confirmação, ligações para suporte e, em alguns casos, países específicos só podem cancelar através de atendimento telefônico — uma barreira deliberada. O aumento de preços em agosto — que elevou o plano principal de R$ 275 para R$ 320 mensais — tornou a situação ainda mais grave.

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Nos Estados Unidos, onde o escândalo ganhou proporções legais, a situação é ainda mais grave. Em julho de 2024, a Comissão Federal de Comércio (FTC) processou a Adobe por práticas enganosas, alegando que a empresa escondeu deliberadamente essas taxas em letras miúdas e criou processos de cancelamento intencionalmente labirínticos.

Mas o ponto mais chocante do escândalo veio de dentro da própria empresa. Documentos judiciais não censurados do processo da FTC revelaram uma comunicação interna explosiva: um executivo da Adobe comparou as taxas de cancelamento antecipado à “heroína para a Adobe”.

A metáfora é brutal e autoexplicativa. Heroína é viciante, destrutiva e impossível de abandonar sem sofrimento — exatamente o que a empresa admitiu internamente sobre sua dependência dessas taxas. O mesmo executivo confessou em documentos internos que “não havia absolutamente nenhuma maneira de eliminar a ETF [taxa de término antecipado] ou falar sobre isso mais obviamente sem sofrer um grande impacto nos negócios”.

Em outras palavras: a Adobe sabia que suas práticas eram predatórias, sabia que esconder essas taxas era enganoso, mas optou conscientemente por manter o modelo porque dependia financeiramente dele para sustentar suas receitas. O lucro vinha de prender usuários em contratos, não de convencê-los a permanecer por qualidade ou valor.

A ameaça existencial da IA

Se os problemas de imagem são graves, a ameaça competitiva é potencialmente fatal. A revolução da IA generativa não está apenas criando concorrentes — está questionando a própria existência dos softwares tradicionais da Adobe.

A Adobe respondeu com investimentos massivos no Firefly, lançado em março de 2023 como sua plataforma de IA generativa. Integrado ao Photoshop, Illustrator e Premiere Pro, o Firefly oferece Preenchimento Generativo, Expansão Generativa e Text-to-Video. A vantagem competitiva que a Adobe promove é a segurança comercial: o Firefly foi treinado exclusivamente com imagens do Adobe Stock, evitando os processos por violação de direitos autorais que assombram o Midjourney e outras plataformas.

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Mas há um problema fundamental: o Firefly não consegue competir em qualidade pura. Até o momento, o Firefly simplesmente não consegue rivalizar em qualidade com outros serviços. O Firefly se sai melhor em casos específicos como ilustrações estilizadas, fotos de produtos simples e preenchimento de áreas existentes em imagens.

Ainda há o fato que mesmo para aqueles que pagam os R$ 320 mensais pela Creative Cloud ainda precisam de créditos adicionais pagos para recursos avançados do Firefly.. A Adobe incluiu apenas 1.000 créditos mensais gratuitos no plano Pro — suficientes para cerca de 40-50 gerações de imagem de alta qualidade. Ultrapassar esse limite exige pacotes adicionais de créditos ou upgrade para planos ainda mais caros.

Essa monetização dupla — cobrar pela assinatura base e depois por créditos de IA — é vista como mais uma demonstração de desrespeito à base de usuários leais. 

A investida móvel: correndo atrás do prejuízo

A Adobe não é novata no mercado móvel — há anos oferece aplicativos como Premiere Rush, Photoshop Express, Lightroom Mobile e outros adaptados para smartphones. Mas essas ferramentas sempre foram versões simplificadas, quase brinquedos comparados às contrapartes desktop, criadas mais para manter presença de marca do que para competir seriamente.

Em setembro de 2025, a empresa finalmente mudou de estratégia de forma dramática. O lançamento do Premiere Pro completo para iPhone e iPad representa uma guinada radical: não é mais uma versão “light”, mas o editor profissional de verdade, gratuito, sem anúncios e sem marcas d’água. O aplicativo chega com recursos que antes eram exclusivos do desktop: edição em 4K HDR, faixas ilimitadas na linha do tempo, controle quadro a quadro, presets de cor do Lightroom, remoção instantânea de fundo e legendas animadas automáticas.

Adobe premiere iPhone e iPad

Essa investida é claramente uma resposta tardia ao domínio absoluto do CapCut, que há anos construiu uma base de centenas de milhões de usuários — especialmente da Geração Z — que nunca precisaram da Adobe e provavelmente nunca pagariam R$ 320 mensais por ela. Mike Polner, vice-presidente de marketing de produtos para criadores da Adobe, admitiu que a estratégia visa “atrair novos públicos, especialmente os mais jovens, acostumados a usar apenas dispositivos móveis para criação, edição e consumo de conteúdo”.

A estratégia é agressiva e clara: fisgar usuários pelo mobile gratuito e prendê-los no ecossistema Creative Cloud. Projetos iniciados no iPhone podem ser continuados no Premiere Pro desktop via sincronização automática na nuvem, criando um ciclo de dependência que a Adobe espera seja irresistível. A empresa aposta que, uma vez dentro do fluxo de trabalho, usuários migrarão naturalmente para planos pagos à medida que suas necessidades crescem.

Qual o futuro da Adobe?

A Adobe mantém vantagens competitivas formidáveis: margens de lucro robustas, fluxo de caixa anual de US$ 9,5 bilhões projetado para atingir US$ 12,5 bilhões até 2029, integração profunda em workflows profissionais e décadas de liderança tecnológica. A empresa permanece essencial em indústrias criativas, de publicidade a Hollywood, onde Premiere Pro e After Effects são padrões estabelecidos.

No entanto, IA generativa não é apenas uma tecnologia complementar — ela representa uma mudança de paradigma que pode tornar obsoleto o modelo tradicional de edição e criação. Quando usuários podem gerar imagens profissionais com prompts de texto, a necessidade de dominar o Photoshop diminui drasticamente. Quando podem editar vídeos com interfaces conversacionais, a curva de aprendizado brutal do Premiere Pro perde sentido.

Além de toda a questão que gira em torno de tecnologia, a Adobe também precisa reciclar a sua própria imagem. Reverter uma certa repulsa da comunidade que a ajudou a empresa a ser quem ela é, ao mesmo tempo que também precisa tornar seus softwares atrativos para uma geração que parece não estar ligando muito para ela. 

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