Prepare a lupa! Os melhores e mais intrigantes filmes de detetive de todos os tempos

Prepare a lupa! Os melhores e mais intrigantes filmes de detetive de todos os tempos

Desde os primórdios do cinema, histórias de detetives fascinam o público com seu apelo intelectual e emocional. Há algo intrinsecamente satisfatório em acompanhar um investigador astuto desvendando um mistério aparentemente insolúvel. Este tipo de narrativa estimula nosso desejo inato de resolver enigmas, convidando-nos a exercitar nossa capacidade dedutiva junto com o protagonista.

O gênero detetivesco no cinema evoluiu significativamente ao longo das décadas, refletindo mudanças na sociedade, na tecnologia e nas sensibilidades artísticas. Dos detetives linha-dura do cinema noir dos anos 40 aos investigadores tecnológicos contemporâneos, cada era trouxe sua própria interpretação do arquétipo do detetive.

Neste artigo, faremos uma jornada cronológica pelos melhores filmes de detetive de todos os tempos, permitindo que você aprecie como o gênero se transformou enquanto manteve sua essência: a busca pela verdade em um mundo de enganos. Prepare sua lupa, ajuste seu chapéu e embarque conosco nessa investigação cinematográfica!

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Tabela resumo: os grandes clássicos do cinema investigativo

Filme Ano Diretor Detetive protagonista Tipo de mistério Onde assistir
Relíquia Macabra 1941 John Huston Sam Spade Objeto valioso desaparecido Prime Video, Google Play, Apple TV (aluguel/compra)
Os Sete Suspeitos 1985 Jonathan Lynn Múltiplos personagens Assassinato em mansão isolada Apple TV, Google Play (aluguel/compra)
O Nome da Rosa 1986 Jean-Jacques Annaud William de Baskerville Assassinatos em mosteiro medieval Oldflix
Memórias de um Assassino 2003 Bong Joon-ho Park Doo-man e Seo Tae-yoon Serial killer em cidade rural Indisponível no streaming brasileiro
Zodíaco 2007 David Fincher Robert Graysmith (cartunista/investigador amador) Serial killer real Max, Prime Video, Apple TV, Google Play
Sherlock Holmes 2009 Guy Ritchie Sherlock Holmes Conspiração ocultista Max, Netflix, Prime Video
Dois Caras Legais 2016 Shane Black Holland March e Jackson Healy Desaparecimento e conspiração Prime Video
Entre Facas e Segredos 2019 Rian Johnson Benoit Blanc Assassinato em mansão familiar Netflix, Mercado Play

01. Relíquia Macabra (1941): O surgimento do detetive no cinema noir

Relíquia Macabra (O Falcão Maltês) - 1941 (Resenha) - Canto dos Clássicos

Quando falamos sobre os fundamentos do gênero detetivesco no cinema, poucos filmes são tão influentes quanto “Relíquia Macabra” (The Maltese Falcon). Lançado em 1941, durante a era de ouro do cinema noir americano, o filme de John Huston não apenas estabeleceu convenções visuais que influenciariam gerações de cineastas, mas também solidificou o arquétipo do detetive particular durão e cínico que se tornaria emblemático nas décadas seguintes.

Humphrey Bogart, em uma das interpretações mais marcantes de sua carreira, dá vida a Sam Spade, um investigador particular que se vê envolvido em uma trama complexa após o assassinato de seu parceiro. O personagem de Bogart encarna perfeitamente o detetive noir: moralmente ambíguo, sagaz, com um código de ética próprio e uma linguagem afiada. Seu Spade é um homem que navega por um mundo corrupto mantendo certa integridade, mesmo que questionável pelos padrões convencionais.

A trama gira em torno da busca pela mítica estatueta do falcão maltês, um objeto de valor incalculável cobiçado por diversos personagens ambíguos e perigosos. Esta premissa de “objeto valioso que todos desejam” se tornaria recorrente no gênero, influenciando desde “Chinatown” até “Pulp Fiction”.

As técnicas de investigação apresentadas no filme são notavelmente realistas para a época: Spade confia em sua intuição, observação atenta e conhecimento das motivações humanas. Não há tecnologia sofisticada ou métodos científicos elaborados – apenas a capacidade de ler pessoas e situações, além de uma resiliência notável diante do perigo.

Visualmente, o filme definiu o estilo noir com suas sombras expressivas, iluminação de baixa intensidade e enquadramentos que expressam a paranoia e a ambiguidade moral da narrativa. A cinematografia de Arthur Edeson criou um mundo de claustrofobia urbana que serve perfeitamente à história de traição e ganância.

02. O Nome da Rosa (1986): O mistério medieval

Saltando para 1986, encontramos uma abordagem radicalmente diferente do gênero detetivesco em “O Nome da Rosa”, adaptação do aclamado romance homônimo de Umberto Eco. O filme transporta a figura do detetive para um contexto histórico raramente explorado no gênero: a Europa medieval do século XIV, demonstrando a versatilidade e atemporalidade do arquétipo investigativo.

Baseado no romance seminal de Eco, publicado em 1980, o filme preserva a essência erudita e filosófica da obra original enquanto constrói uma narrativa cinematográfica acessível. Umberto Eco, semiólogo e medievalista, criou uma história que é simultaneamente um mistério envolvente e uma profunda reflexão sobre conhecimento, poder e dogma religioso – elementos que a adaptação traduz com notável competência.

Sean Connery, distanciando-se de seu passado como James Bond, entrega uma performance magistral como William de Baskerville, um monge franciscano e ex-inquisidor dotado de extraordinária capacidade dedutiva. Seu Baskerville é claramente inspirado em Sherlock Holmes (uma homenagem explícita no nome do personagem, aludindo a “O Cão dos Baskervilles”), mas adaptado ao contexto medieval com convincente autenticidade. Christian Slater complementa o elenco como Adso de Melk, o jovem noviço que serve como narrador e “Watson” desta história.

O Nome da Rosa e a biblioteca medieval. - Pó de Flor

A investigação central gira em torno de uma série de mortes misteriosas em uma abadia beneditina isolada. O que torna este mistério particularmente fascinante é como William conduz sua investigação utilizando uma combinação de raciocínio dedutivo, conhecimento científico avançado para a época e compreensão da natureza humana. Suas ferramentas investigativas são limitadas pela tecnologia medieval, mas sua mente analítica funciona de maneira surpreendentemente moderna.

O mosteiro isolado pela neve cria o cenário perfeito para um “mistério de quarto fechado” ampliado, onde todos os suspeitos estão confinados e cada um carrega seus próprios segredos e motivações. A biblioteca labiríntica da abadia, guardando conhecimentos proibidos, torna-se o epicentro simbólico da narrativa, representando tanto o controle da informação quanto a busca pela verdade.

Visualmente deslumbrante, o filme de Jean-Jacques Annaud recria o mundo medieval com atenção meticulosa aos detalhes, desde a arquitetura gótica até os manuscritos iluminados. A fotografia de Tonino Delli Colli captura a atmosfera sombria e claustrofóbica do mosteiro, alternando entre os espaços luminosos dos scriptoria e as sombras ameaçadoras das catacumbas e corredores noturnos.

03. Os Sete Suspeitos (1985): O jogo que virou filme

Lançado em 1985, “Os Sete Suspeitos” (Clue) representa uma abordagem inusitada e refrescante do gênero detetivesco. Baseado no popular jogo de tabuleiro Clue (conhecido no Brasil como Detetive), o filme transforma uma experiência lúdica em uma comédia de mistério que subverte convenções do gênero enquanto presta homenagem aos seus tropos mais conhecidos.

A adaptação de um jogo de tabuleiro para o cinema era um conceito relativamente novo na época, e “Os Sete Suspeitos” enfrentou o desafio com criatividade. O roteiro, escrito por Jonathan Lynn e John Landis, mantém os elementos essenciais do jogo – personagens coloridos identificados por apelidos, uma mansão com múltiplos cômodos, e uma variedade de armas potenciais – e os transforma em uma narrativa coesa e surpreendentemente engenhosa.

Detetive (Clue) volta em breve às telas | Relembre 'Os Sete Suspeitos' (1985),  adaptação que se tornou cult

O elenco estelar do filme merece destaque especial. Tim Curry lidera como Wadsworth, o mordomo que eventualmente assume o papel de investigador principal. Ele é acompanhado por um grupo de atores talentosos que dão vida aos suspeitos arquetípicos: Eileen Brennan como Sra. Peacock, Madeline Kahn como Sra. White, Christopher Lloyd como Prof. Plum, Michael McKean como Sr. Green, Martin Mull como Coronel Mustard e Lesley Ann Warren como Srta. Scarlet. Cada ator traz uma energia distinta para seu personagem estereotipado, criando um ensemble perfeitamente equilibrado.

O aspecto mais revolucionário e memorável de “Os Sete Suspeitos” foi sua abordagem inovadora do desfecho. Quando lançado nos cinemas, diferentes salas recebiam finais distintos, refletindo as múltiplas possibilidades do jogo original. Este experimento narrativo foi posteriormente preservado na versão em vídeo, que apresenta os três finais em sequência, com o último marcado como o “verdadeiro”. Esta estrutura antecipou tendências de narrativas ramificadas que se tornariam mais comuns décadas depois em mídias interativas.

Como comédia, o filme brilha com seu timing preciso e humor verbal afiado. Diálogos repletos de trocadilhos, duplos sentidos e humor negro se desenrolam em ritmo acelerado, culminando em sequências hilariantes como a contagem frenética de Wadsworth recontando todos os eventos da noite. Cenas memoráveis, como a discussão sobre “chantagem” versus “extorsão” ou o monólogo da Sra. White sobre seu ódio (“Flames… flames on the side of my face”), se tornaram cult entre os fãs.

04. Memórias de um Assassino (2003): O thriller investigativo oriental

Lançado em 2003, “Memórias de um Assassino” (Memories of Murder) representa um marco tanto no cinema sul-coreano quanto no gênero detetivesco global. Dirigido por Bong Joon-ho, que anos mais tarde ganharia reconhecimento internacional com “Parasita”, este thriller investigativo oferece uma abordagem culturalmente específica e profundamente humanista do gênero, distanciando-se tanto dos procedimentos policiais americanos quanto do noir europeu.

O filme é baseado nos infames assassinatos em série de Hwaseong, que aterrorizaram a província sul-coreana de Gyeonggi entre 1986 e 1991. Dez mulheres foram estupradas e assassinadas, em um caso que permaneceu sem solução durante décadas (até 2019, quando o DNA finalmente identificou o culpado). Esta base na realidade confere ao filme uma gravidade e urgência raramente alcançadas em histórias puramente ficcionais.

Ambientado em uma zona rural da Coreia do Sul durante os anos 80, o filme captura meticulosamente um país em transição: uma nação ainda sob regime militar autoritário, mas caminhando em direção à democratização, com tensões entre tradição e modernidade, e entre métodos policiais arcaicos e técnicas investigativas científicas emergentes.

Memórias de um Assassino – Filmes no Google Play

A narrativa segue dois detetives principais com abordagens radicalmente diferentes: Park Doo-man (Song Kang-ho), um policial local que confia em seu “instinto” e métodos brutais de interrogatório, e Seo Tae-yoon (Kim Sang-kyung), um detetive enviado de Seul que representa uma abordagem mais metódica e baseada em evidências. Esta dinâmica cria não apenas tensão dramática, mas também um comentário sobre a evolução dos métodos policiais sul-coreanos.

O retrato da polícia em “Memórias de um Assassino” é implacavelmente realista e frequentemente perturbador. Longe dos heróis infalíveis dos procedimentos policiais americanos, os investigadores são mostrados fabricando provas, torturando suspeitos e perseguindo inocentes com base em preconceitos. Estes métodos questionáveis refletem tanto práticas reais da época quanto o legado do regime militar na Coreia, onde a polícia frequentemente servia como ferramenta de opressão política.

Visualmente, o filme é uma obra-prima de cinematografia. As cenas em campos de arroz encharcados pela chuva, onde os corpos são descobertos, tornaram-se icônicas. Bong utiliza planos amplos para contrastar a vastidão da paisagem rural com a limitada capacidade humana de compreender a maldade. A paleta de cores terrosas e a iluminação natural contribuem para uma atmosfera opressiva que espelha o peso psicológico da investigação sobre os personagens.

Diferentemente de muitos filmes do gênero, “Memórias de um Assassino” subverte deliberadamente as expectativas de resolução e catarse. O filme é, em essência, uma meditação sobre o fracasso – o fracasso da investigação, das instituições e, em última análise, da própria justiça. Esta frustração refletia a realidade do caso original, que permaneceu sem solução até muito tempo depois do lançamento do filme.

05. Zodíaco (2007): O caso real que desafiou a América

Lançado em 2007, “Zodíaco” de David Fincher representa o ápice do thriller investigativo contemporâneo, um mergulho meticuloso e obsessivo em um dos casos criminais não resolvidos mais famosos da história americana. Baseado nos assassinatos reais que aterrorizaram a Área da Baía de São Francisco no final dos anos 1960 e início dos 70, o filme transcende o simples true crime para se tornar uma meditação sobre obsessão, tempo e a elusiva natureza da verdade.

Entre dezembro de 1968 e outubro de 1969, o assassino do Zodíaco atacou pelo menos sete pessoas na Califórnia, matando cinco delas. O que tornou o caso particularmente notório foi a comunicação direta do assassino com a imprensa através de cartas enigmáticas, contendo cifras complexas e ameaças de futuros ataques. Estas comunicações não apenas aterrorizaram a população, mas também transformaram a caçada em um desafio intelectual público que capturou a imaginação nacional.

David Fincher aborda este material com uma precisão quase documental. Nascido na área de São Francisco durante o período dos crimes, o diretor traz uma conexão pessoal ao material que se traduz em uma reconstrução histórica obsessivamente detalhada. Cada cenário, figurino e artefato cultural é reproduzido com fidelidade histórica impressionante, desde as salas de redação dos jornais até os carros e a moda da época.

Zodíaco (2007) | Cinematographe

O elenco excepcional é liderado por Jake Gyllenhaal como Robert Graysmith, um cartunista do San Francisco Chronicle cuja curiosidade inicial se transforma em obsessão debilitante; Robert Downey Jr. como Paul Avery, o jornalista policial brilhante mas autodestrutivo; e Mark Ruffalo como o inspetor Dave Toschi, o detetive da polícia de São Francisco que serviu de inspiração para personagens como Bullitt e Dirty Harry.

O que distingue “Zodíaco” de outros thrillers sobre serial killers é seu foco não no assassino, mas no impacto devastador que a investigação tem sobre aqueles que a conduzem. A obsessão torna-se o verdadeiro antagonista do filme, consumindo lentamente as vidas pessoais e profissionais dos protagonistas. Graysmith perde seu casamento e afasta-se de seus filhos; Avery sucumbe ao alcoolismo e paranoia; Toschi enfrenta frustração profissional e esgotamento.

Tecnicamente, o filme é uma obra-prima. A cinematografia digital pioneira de Harris Savides criou uma estética visual distinta, com paleta de cores desaturada e iluminação naturalista que evoca tanto documentários quanto fotografias de época. As cenas dos assassinatos, filmadas com precisão clínica e distanciamento emocional deliberado, são perturbadoras justamente por sua contenção, evitando a exploração sensacionalista comum no gênero.

06. Sherlock Holmes (2009): O retorno do detetive clássico

Em 2009, Guy Ritchie apresentou ao mundo uma reinvenção ousada do detetive mais famoso da literatura com seu filme “Sherlock Holmes”. Esta adaptação transforma o icônico personagem de Sir Arthur Conan Doyle em um herói de ação sem sacrificar sua genialidade dedutiva, oferecendo uma versão dinamizada que simultaneamente honra e reinventa o legado do personagem para o público do século XXI.

Robert Downey Jr., ainda cavalando a onda de seu ressurgimento como Tony Stark em “Homem de Ferro”, traz uma energia caótica e magnética para Holmes que contrasta fortemente com interpretações anteriores mais contidas. Seu Holmes é excêntrico até o limite da disfuncionalidade social, fisicamente capaz (praticante de boxe e “bartitsu”, uma arte marcial vitoriana), e propenso a estados alternados de hiperatividade frenética e melancolia letárgica. Esta caracterização, embora amplificada para efeito cinematográfico, é surpreendentemente fiel ao Holmes original dos contos de Doyle, que era descrito como um boxeador habilidoso e usuário de cocaína nos períodos entre casos.

Jude Law complementa perfeitamente Downey como Dr. John Watson, afastando-se do estereótipo do assistente abobalhado para retratar um parceiro competente, ex-médico militar com habilidades complementares às de Holmes. A química entre os dois atores é palpável, capturando a complexa amizade descrita nos textos originais: uma mistura de admiração mútua, exasperação ocasional e lealdade inabalável.

Crítica | Sherlock Holmes (2009) - Plano Crítico

Visualmente, o filme recria uma Londres vitoriana estilizada que equilibra precisão histórica com sensibilidade steampunk. A cidade é mostrada em toda sua contradição: simultaneamente a capital glamorosa do maior império do mundo e um labirinto de ruas sujas e perigosas. A cinematografia de Philippe Rousselot emprega uma paleta de cores distintiva, com tons sépia e azul-esverdeados que evocam fotografias da época enquanto mantêm uma estética contemporânea.

A trama envolve Holmes e Watson enfrentando Lord Blackwood, um aristocrata aparentemente envolvido com ocultismo que parece retornar dos mortos para implementar um plano sinistro. Este enredo permite que Ritchie explore temas recorrentes dos contos originais: a tensão entre racionalidade científica e superstição, a tecnologia emergente da era industrial, e as maquinações das sociedades secretas que proliferavam na Inglaterra vitoriana.

Um dos aspectos mais inovadores do filme é sua visualização do processo mental de Holmes. Através de sequências de flash-forward e flash-back, vemos como Holmes pré-visualiza suas ações em lutas (calculando cada movimento e consequência antes de executá-los) e como reconstrói eventos passados a partir de pistas minúsculas. Esta técnica cinematográfica engenhosa traduz para a linguagem visual o que Doyle expressava através de longas explanações textuais, tornando o processo dedutivo de Holmes acessível e dinâmico para o público moderno.

07. Dois Caras Legais (2016): Humor e investigação

Em 2016, o diretor e roteirista Shane Black, conhecido por seu talento em equilibrar ação e comédia em filmes como “Máquina Mortífera” e “Beijos e Tiros”, trouxe ao cinema “Dois Caras Legais” (The Nice Guys). Este filme representa uma homenagem bem-humorada e estilizada ao subgênero “buddy cop”, combinando investigação detetivesca com comédia física e diálogos afiados, tudo ambientado na Los Angeles extravagante e moralmente ambígua dos anos 1970.

O filme se insere na tradição das “buddy cop movies”, um subgênero popularizado nos anos 80 com títulos como “48 Horas” e a própria franquia “Máquina Mortífera” (que Shane Black roteirizou). A fórmula clássica envolve dois investigadores com personalidades contrastantes forçados a trabalhar juntos, geralmente desenvolvendo uma improvável amizade em meio ao caos. “Dois Caras Legais” abraça estes tropos enquanto os subverte com autoconsciência e ironia pós-moderna.

Ryan Gosling e Russell Crowe formam uma das duplas mais inesperadas e eficazes do cinema recente. Gosling interpreta Holland March, um detetive particular alcoólatra e pai solteiro que vive de pequenas fraudes contra clientes idosos. Crowe é Jackson Healy, um brutamontes que ganha a vida intimidando pessoas por dinheiro. A química entre os atores é extraordinária, com Gosling revelando um talento surpreendente para comédia física (sua cena tentando manter a modéstia em um banheiro público é antológica) e Crowe equilibrando perfeitamente intimidação e vulnerabilidade emocional.

Dois caras legais | Netflix

A trama, intencionalmente complexa como homenagem aos noir clássicos, começa com a investigação do aparente suicídio de uma estrela pornô e se expande para uma conspiração envolvendo a indústria automobilística e corrupção governamental. Esta estrutura permite que Black combine elementos de diferentes subgêneros: o noir, a comédia de ação, o thriller de conspiração e até mesmo comentário social sobre questões ambientais (antecipando temas que se tornariam ainda mais relevantes nas décadas seguintes).

A Los Angeles dos anos 70 é praticamente um personagem no filme. Meticulosamente recriada através de direção de arte, figurinos e uma trilha sonora impecável, a cidade é mostrada em toda sua contradição decadente: poluição atmosférica alaranjada, excessos da era disco, a indústria pornográfica em expansão, e o desenho urbano centrado no automóvel. Esta ambientação não é apenas um pano de fundo estético, mas um elemento temático central que reflete as preocupações da trama com poluição, corrupção e o início do fim do sonho americano pós-guerra.

O humor no filme funciona em múltiplos níveis. Há a comédia física (predominantemente através do personagem de Gosling), os diálogos afiados característicos do estilo de Shane Black, a sátira social sobre os excessos dos anos 70, e o humor negro derivado da violência inesperada e absurda. Mas o que torna o humor de “Dois Caras Legais” particularmente eficaz é como ele coexiste com momentos de genuína emoção e comentário social, evitando que o filme se torne uma mera paródia.

08. Entre Facas e Segredos (2019): O renascimento do whodunnit

Em 2019, quando muitos consideravam o mistério clássico de “quem matou quem” (whodunnit) um formato datado, o diretor e roteirista Rian Johnson surpreendeu o cinema mundial com “Entre Facas e Segredos” (Knives Out). Este filme não apenas revitalizou o subgênero, mas o reinventou para o século XXI, combinando respeito pelas convenções clássicas com comentário social contemporâneo e uma sensibilidade narrativa moderna.

O filme marca um renascimento do subgênero “whodunnit”, popularizado por autores como Agatha Christie e dramatizado em clássicos como “Assassinato no Expresso Oriente” e “Um Cadáver na Biblioteca”. Johnson abraça os elementos tradicionais deste formato – a mansão isolada, a família disfuncional, o detetive excêntrico, as múltiplas motivações – enquanto os atualiza com subtexto político e uma estrutura narrativa inovadora que revela e esconde informações do espectador de formas surpreendentes.

Daniel Craig entrega uma performance memorável como Benoit Blanc, um detetive particular com sotaque sulista carregado e métodos investigativos peculiares. Distanciando-se completamente de seu papel como James Bond, Craig cria um investigador que é simultaneamente teatral e perspicaz, excêntrico e metódico. Blanc rapidamente se estabeleceu como um novo ícone detetivesco, juntando-se ao panteão que inclui Sherlock Holmes, Hercule Poirot e Sam Spade.

Entre Facas e Segredos" parte de ode a Agatha Christie para tratar de  classes sociais • B9

A narrativa gira em torno da morte aparentemente suicida do romancista de mistério Harlan Thrombey (Christopher Plummer) e a subsequente investigação que expõe as dinâmicas tóxicas de sua família. Rian Johnson subverte as expectativas do gênero ao revelar cedo na trama o que aparenta ser a verdade sobre a morte, apenas para depois desdobrar camadas adicionais de engano e revelação. Esta estrutura permite que o filme funcione simultaneamente como um mistério convencional e um thriller de suspense onde o espectador está um passo à frente (ou pensa estar) dos investigadores.

O elenco estelar inclui nomes como Jamie Lee Curtis, Michael Shannon, Toni Collette, Chris Evans e Ana de Armas, cada um dando vida a personagens arquetípicos que rapidamente transcendem seus estereótipos iniciais. Particularmente notável é o papel de Ana de Armas como Marta Cabrera, a enfermeira imigrante de Harlan. Seu personagem inverte a dinâmica tradicional do gênero, colocando uma outsider no centro da narrativa em vez dos habituais aristocratas privilegiados.

Visualmente, o filme é uma festa para os olhos. A mansão Thrombey, decorada com uma profusão de objetos excêntricos incluindo uma impressionante “roda de facas”, é filmada por Steve Yedlin com composições que evocam tanto os clássicos de Hitchcock quanto as comédias de Blake Edwards. Os figurinos meticulosamente desenhados por Jenny Eagan comunicam instantaneamente a personalidade e posição social de cada personagem.

Filmes de detetive para assistir em seguida

Se nossa lista dos oito melhores filmes de detetive despertou seu interesse pelo gênero, há um vasto universo de mistérios cinematográficos esperando por sua investigação. Aqui estão cinco recomendações adicionais que expandem o horizonte geográfico, temporal e estilístico do gênero, oferecendo novas perspectivas sobre a arte da investigação cinematográfica:

1. Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958) – Dirigido pelo mestre do suspense Alfred Hitchcock, este filme subverte as convenções do gênero detetivesco ao transformar seu investigador (James Stewart) de observador em participante obcecado. Ambientado em São Francisco, a narrativa começa como uma investigação aparentemente simples e evolui para uma exploração psicológica de obsessão, identidade e manipulação. Visualmente deslumbrante e emocionalmente devastador, é considerado por muitos críticos o maior filme de Hitchcock e uma obra-prima do cinema mundial. Disponível para aluguel no Apple TV e Google Play.

2. Cidade de Deus (2002) – Este aclamado filme brasileiro de Fernando Meirelles e Kátia Lund não é tradicionalmente classificado como um filme de detetive, mas contém elementos investigativos fascinantes. Através da narrativa não-linear e do olhar do fotógrafo Buscapé, o filme investiga as origens e evolução do crime organizado em uma favela do Rio de Janeiro. A busca pela verdade em um ambiente onde testemunhas temem represálias e autoridades são corruptas ou ausentes cria um tipo diferente de mistério, ancorado em realidades socioeconômicas raramente exploradas no gênero. Disponível na Netflix e Globoplay.

3. O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos, 2009) – Este thriller argentino, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, entrelaça uma investigação criminal com romance, política e memória histórica. Ambientado em dois períodos – os anos 70 durante a ditadura argentina e 25 anos depois – o filme segue um funcionário judicial obcecado por um caso de estupro e assassinato não resolvido. A narrativa explora como a busca por justiça pode ser comprometida por forças políticas e como o passado continua a assombrar o presente. A versão original é superior ao remake americano de 2015. Disponível no Prime Video.

4. Os Mistérios de Londres (The Limehouse Golem, 2016) – Este thriller gótico vitoriano, baseado no romance de Peter Ackroyd, transporta o espectador para a Londres de 1880, onde o inspetor John Kildare investiga uma série de assassinatos brutais atribuídos a uma entidade mítica conhecida como “Golem”. Mesclando elementos de terror, mistério histórico e crítica social, o filme examina temas de gênero, classe e espetáculo na sociedade vitoriana. Bill Nighy oferece uma performance sutil como o detetive Kildare, um investigador marginalizado por sua sexualidade não convencional. Disponível na Amazon Prime Video.

5. Decisão de Partir (Decision to Leave, 2022) – Este filme sul-coreano do aclamado diretor Park Chan-wook reinventa o noir detetivesco com sensibilidade contemporânea. A história segue um detetive que investiga a morte suspeita de um homem nas montanhas e se vê irresistivelmente atraído pela enigmática viúva, principal suspeita do crime. Com visual deslumbrante e narrativa sofisticada, o filme transforma a investigação criminal em uma exploração poética de desejo, obsessão e comunicação através de barreiras culturais e linguísticas. Ganhou o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes. Disponível na MUBI.

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