Ulianópolis usa IA para vídeo de festa junina e gera polêmica: inovação ou apagamento cultural?
Ulianópolis usa IA para vídeo de festa junina e gera polêmica: inovação ou apagamento cultural?
A prefeitura de Ulianópolis, uma cidade de cerca de 40 mil habitantes no sudeste do Pará, publicou um vídeo promocional no Instagram para divulgar o Circuito Cultural de São João, mas o que parecia ser apenas mais uma campanha de festa junina ganhou destaque nacional por um motivo inesperado: o vídeo foi inteiramente criado com inteligência artificial, usando o Veo 3 do Google.
Embora o realismo das imagens e da locução tenha impressionado, a iniciativa desencadeou uma avalanche de críticas nas redes sociais, levantando questões sobre transparência, ética e a valorização da cultura local. Vamos entender o que aconteceu, como o vídeo foi feito e por que ele dividiu opiniões.
O poder do Veo 3: vídeos realistas, mas sem alma local
Anunciado no Google I/O 2025, o Veo 3 é a mais recente ferramenta de IA do Google, capaz de criar vídeos hiper-realistas a partir de textos descritivos, com resolução de até 4K, áudio sincronizado e detalhes cinematográficos, como cenários, figurinos e iluminação. No caso de Ulianópolis, o vídeo mostrou danças típicas, bandeirinhas coloridas e comidas juninas, com uma locução em português que parecia gravada por um locutor profissional.
Mas havia um detalhe crucial: nenhum dos “moradores” dançando ou celebrando era real, todos foram gerados pela IA. O produtor Renato Lopes Ferreira, funcionário da prefeitura, revelou o processo: ele usou o ChatGPT para criar um prompt detalhado, com descrições de personagens, cenários e iluminação, e depois refinou os clipes gerados pelo Veo 3 no Flow, aplicativo do Google, finalizando a edição em softwares como Adobe Premiere e After Effects. O resultado foi um vídeo tecnicamente impecável, mas que, para muitos, faltou a essência de Ulianópolis.
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Economia versus cultura: o custo da escolha pela IA
A prefeitura defendeu o uso do Veo 3 como uma forma de economizar recursos públicos, alegando que o vídeo custou cerca de R$ 300, valor bem inferior ao de uma produção tradicional com atores, cinegrafistas e figurinistas. O custo principal veio da assinatura do Google AI Pro (R$ 96,99/mês) ou Google AI Ultra (R$ 1.209,90/mês), necessária para acessar o Veo 3, além de licenças de softwares de edição.
Em um story no Instagram, a prefeitura destacou que a economia permitiu direcionar verbas para outras prioridades, como cultura e lazer. Renato, o produtor, explicou que Ulianópolis, localizada às margens da BR-010, não tem um mercado publicitário robusto, com agências ou profissionais de audiovisual, o que justificaria a escolha pela IA. No entanto, essa justificativa não convenceu a todos.
A polêmica: falta de transparência e conexão com a comunidade

A principal crítica ao vídeo veio da falta de um aviso claro informando que ele foi gerado por IA. Usuários nas redes sociais apontaram que a prefeitura tinha a obrigação de ser transparente, especialmente porque a ausência de tal aviso pode enganar o público. “Me senti enganada ao perceber que era IA”, escreveu uma internauta, ecoando um sentimento comum de que o vídeo parecia real à primeira vista. Especialistas reforçam que a transparência é crucial, especialmente com a possibilidade de regulamentações futuras, como as do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que exigem identificação de conteúdo gerado por IA em campanhas políticas.
Além disso, o vídeo foi criticado por não refletir a identidade de Ulianópolis. Moradores comentaram que os cenários e personagens não representavam rostos conhecidos, pontos turísticos locais ou costumes específicos da região. “Parece que foi feito para outra cidade”, disse uma usuária. Outro comentário, amplamente curtido, destacou: “Se há algo que não pode ser automatizado, é a alma de uma festa popular.” A ausência de artistas locais, como quadrilheiros ou músicos, reforçou a sensação de desconexão cultural, com muitos sentindo que a prefeitura priorizou a inovação tecnológica em detrimento da valorização da comunidade.
Impacto no setor cultural: um precedente perigoso?

A decisão de usar IA também gerou críticas de profissionais do audiovisual e da cultura. Publicitários chamaram a iniciativa de “ofensiva” e “desrespeitosa” com trabalhadores da arte, apontando que nenhum ator, figurinista, roteirista ou cinegrafista local foi contratado. “Cultura é feita por pessoas, não por máquinas”, escreveu um usuário, resumindo o sentimento de que a IA, ao substituir o trabalho humano, pode precarizar o setor cultural.
A preocupação vai além de Ulianópolis: o uso de ferramentas como o Veo 3 por órgãos públicos pode abrir um precedente para que produções culturais dispensem profissionais, afetando a economia local e a autenticidade das tradições. Especialistas alertam que, sem cuidado, a IA pode transformar a cultura em um produto genérico, sem a vivência e a emoção que caracterizam eventos como o São João.
A resposta da prefeitura e o debate ético
Diante da repercussão, a prefeitura confirmou o uso do Veo 3 em stories no Instagram, defendendo a escolha como uma forma de inovação e economia. Renato Lopes Ferreira, o responsável pelo vídeo, compartilhou um “making of” explicando o processo e pediu desculpas a quem se sentiu ofendido, destacando as limitações de Ulianópolis em termos de infraestrutura publicitária.
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Ele também mencionou que seu “hiperfoco” na ferramenta veio de uma condição pessoal, sem entrar em detalhes, e enfatizou que o objetivo era promover o evento de forma acessível. Apesar disso, a prefeitura celebrou a viralização, afirmando que o vídeo “fez o Brasil parar para discutir o uso da IA”, o que poderia impulsionar debates sobre regulamentação. No entanto, a resposta não abordou diretamente as críticas sobre a falta de representatividade local ou o impacto nos trabalhadores culturais.
O Veo 3 e o futuro da IA em campanhas públicas
O Veo 3, lançado em 20 de maio de 2025, é uma ferramenta poderosa que gera vídeos de até um minuto com áudio sincronizado, trilhas sonoras e diálogos em português, com um realismo que impressiona. No caso de Ulianópolis, o produtor usou prompts detalhados criados pelo ChatGPT para definir cenários, personagens e até a iluminação, refinando os clipes no Flow e finalizando em softwares profissionais.
Apesar do sucesso técnico, o caso levanta questões éticas: como garantir que a IA respeite a identidade cultural? Como evitar que ela substitua o trabalho humano em setores onde a emoção e a vivência são essenciais? A prefeitura de Marília, no interior de São Paulo, também usou o Veo 3 para um vídeo sobre alertas climáticos, mostrando que o uso de IA por órgãos públicos está crescendo, mas com resultados mistos em termos de aceitação.
Lições de Ulianópolis: equilíbrio entre inovação e autenticidade
O caso de Ulianópolis é um marco no uso de IA por prefeituras no Brasil, mas também um alerta. A tecnologia, como o Veo 3, oferece possibilidades incríveis para criar conteúdo de alta qualidade com baixo custo, mas seu uso exige responsabilidade. A falta de transparência sobre o uso da IA e a ausência de elementos locais no vídeo de Ulianópolis geraram uma sensação de desconexão, mostrando que a inovação não pode vir às custas da autenticidade cultural. Além disso, a substituição de artistas e profissionais por ferramentas automatizadas levanta preocupações sobre o futuro do setor cultural, especialmente em cidades pequenas onde a economia local depende de eventos como o São João.
Para outras prefeituras que planejam adotar IA, o caso sugere a importância de envolver a comunidade, contratar artistas locais e sinalizar claramente quando o conteúdo é gerado por máquinas. Como destacou Yago Rosa, diretor de uma agência de Marília, “a IA pode potencializar a criatividade, mas nunca substituir o olhar humano”. O vídeo de Ulianópolis, apesar das críticas, abriu um debate necessário sobre como equilibrar tecnologia e cultura, e seu impacto será sentido em futuras campanhas públicas.
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