O dia em que a Nokia achou que podia enfrentar a Nintendo e passou vergonha
O dia em que a Nokia achou que podia enfrentar a Nintendo e passou vergonha
Em meados de 2003 era indiscutível quem mandava nos consoles portáteis. A Nintendo reinava absoluta. O Game Boy Advance, lançado dois anos antes, já tinha passado dos 30 milhões de unidades vendidas e com o lançamento do Game Boy SP a gigante japonesa ampliou o que já estava dominado. Quase todo o mercado estava nas mãos dela, uma fatia impressionante de 97% de participação.
Mesmo com uma dificuldade clara pela frente, a finlandesa Nokia via esse mercado de consoles portáteis com grande potencial de seguir expandindo. Por que não tentar investir? A grande questão que pairava para a Nokia era: milhões de pessoas carregavam no bolso dois dispositivos, um celular e um Game Boy. Por que não criar um produto que unisse os dois? Um híbrido que eliminaria a necessidade de carregar mais de um aparelho.
Foi assim que nasceu o N-Gage. E, com ele, um fracasso em escalas babilônicas.
O lançamento do N-Gage: uma aposta milionária
O anúncio oficial do N-Gage aconteceu no dia 04 de novembro de 2002. O lançamento mundial veio quase um ano depois, em 7 de outubro de 2003. Nesse meio tempo, a Nokia preparou uma campanha de marketing massiva, com direito a eventos em Londres, comerciais espalhados por cinemas, revistas, televisão e internet. A empresa não poupou esforços.
Segundo essa matéria da Bloomberg publicada no dia 13 de outubro de 2003, a Nokia investiu cerca de US$ 10 milhões no desenvolvimento do N-Gage mais US$ 100 milhões na campanha de divulgação. Era realmente uma bolada absurda, reforçando que a empresa tinha plena convicção do potencial do híbrido.
O discurso era claro: o N-Gage não era só um celular nem só um videogame. Era uma “game deck”, uma nova categoria que prometia entregar tudo o que um gamer hardcore desejava — com bônus de fazer chamadas, tocar música, navegar na web e jogar online via Bluetooth ou GPRS.
Provocações a Nintendo também não faltaram.
Em junho de 2003, Ilkka Raiskinen, então vice-presidente sênior da divisão de mídia e entretenimento da Nokia, disparou:
“Game Boy é para crianças de 10 anos. Se você tem 20 ou 25 anos, provavelmente não é uma boa ideia tirar um Game Boy do bolso numa sexta-feira à noite em público”.
Essa declaração fazia parte da estratégia da Nokia de posicionar o N-Gage como um dispositivo mais recomendado para um público jovem/adulto, buscando diferenciar-se do público-alvo mais jovem do Game Boy.
Essa é uma das táticas mais utilizadas na história do marketing. A criação da geração de contraste direto entre o seu produto e o do concorrente, em muitos casos apostando até mesmo numa certa ridicularização.
O N-Gage trazia especificações respeitáveis para a época: processador ARM de 104 MHz, gráficos 3D, tela colorida, suporte a multiplayer e até uma loja online, o N-Gage Arena, que permitia partidas online e rankings globais.
Mas havia um problema gigante no meio desse sonho e discurso pomposo do marketing: o preço.
O N-Gage chegou custando 299 dólares. Três vezes o preço do Game Boy Advance, que dominava o mercado. E, pior, a Nokia não estava disposta a subsidiar o hardware, como faziam Nintendo e Sony, que ganhavam dinheiro principalmente na venda de jogos.
Os erros que condenaram o N-Gage ao fracasso
A primeira grande decepção estava no design. Quem comprava o N-Gage logo descobria que atender chamadas era uma experiência constrangedora. O microfone e o alto-falante ficavam na lateral, o que obrigava os usuários a segurar o aparelho de lado na cabeça. O gesto parecia tão ridículo que virou meme mundial, conhecido como “sidetalking”. Abaixo uma imagem que representa essa bizarrice:

Surgiu até mesmo um site para zoar essa característica, o sidetalking.com.
E se falar já era estranho, jogar não era muito melhor. O layout dos botões era herança de um teclado numérico comum, adaptado às pressas. A ergonomia simplesmente não fazia sentido para quem queria jogar algo sério.
Essa deficiência ia na contramão do discurso do marketing que vendia a ideia de um dispositivo pensado em público mais maduro, criterioso.
O site Pocket Tactics que relembrou o N-Gage em uma análise divulgada no ano passado resumiu da seguinte forma essa questão dos botões:
O layout dos botões era uma verdadeira aula de ‘quantas funções conseguimos enfiar em uma única tecla?’. As teclas numéricas faziam dupla função como controles de jogo, enquanto o botão direcional de cinco vias servia tanto para navegar nos menus quanto como botão de ação durante os jogos. Jogar nele era basicamente como tentar jogar xadrez e Twister ao mesmo tempo — possível, mas longe de ser confortável. E, sinceramente, você teria todo o direito de questionar o que se passava na cabeça de quem bolou isso
Mas, calma, o que está ruim ainda pode piorar:
O Nokia N-Gage utilizava cartões MultiMediaCard (MMC) para os jogos, e para realizar a troca entre eles você tinha que desligar o aparelho, abrir a tampa traseira, remover a bateria e só então acessar o slot do cartão MMC. Isso em um produto que se vendia como símbolo de mobilidade e praticidade.
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Reconhecendo essas limitações, a Nokia lançou em 2004 o N-Gage QD, uma versão revisada do dispositivo. O QD apresentava um slot de cartão acessível externamente, eliminando a necessidade de remover a bateria para trocar de jogos.

O catálogo de jogos, que deveria ser o grande trunfo, decepcionou. A maioria dos títulos eram ports de outros consoles, como Tony Hawk’s Pro Skater, Tomb Raider e Sonic N, sem adaptações decentes para os controles estranhos. Não havia nenhum jogo capaz de justificar sozinho a compra do aparelho. No total, o N-Gage recebeu cerca de 64 títulos. Confira aqui a lista completa de jogos do N-Gage.
A mídia não perdoou. O público muito menos
O N-Gage até gerou curiosidade inicial. Na E3 de 2003, jornalistas ficaram impressionados ao ver títulos como Tomb Raider e Tony Hawk rodando no aparelho, mas era só tomar contato por mais tempo para a felicidade ir esmaecendo. Alguns hands-on, como esse publicado em setembro de 2003 pela Game Industry, enfatizavam o problema do design, no ponto do processo para a troca de jogos, e o tempo de carregamento para os jogos:
“Descobrimos outros problemas na nossa tentativa de jogar no N-Gage. Um dos principais foram os tempos de carregamento. Sim, tempos de carregamento. E longos, na verdade, chegando facilmente na casa dos dez segundos ou mais, dependendo do caso. Isso era algo que nem sequer imaginávamos enfrentar em um console portátil — afinal, o Game Boy Advance, simplesmente não tem qualquer atraso perceptível no carregamento. Voltar a ver telas de loading dignas da era do PlayStation no N-Gage parece, sem exagero, um enorme passo para trás.”
Outros veículos foram menos polidos. Electronic Gaming Monthly se referiu aos controles do N-Gage como horriveis. “É uma porcaria em muitos níveis”.
As vendas refletiram esse desastre. Na primeira semana nos Estados Unidos, menos de cinco mil unidades foram vendidas. No Reino Unido, apenas 800. Varejistas começaram a oferecer descontos de 100 dólares já nas primeiras semanas, só para limpar os estoques.
Em um relato no Reddit, um ex-funcionário da GameStop relembra que o aparelho praticamente não era vendido, o interesse era mínimo. “Na verdade, fizemos uma festa na loja quando finalmente vendemos um“, afirma.
“Eu ainda tenho um, a unidade de demonstração que a loja tinha. Eles iam jogá-lo fora, então me deixaram ficar com ele. Tenho um punhado de jogos para ele também… em algum lugar”, completou
Nokia N-Gage foi lançado no Brasil
O Nokia N-Gage chegou a ser vendido no Brasil. O aparelho chegou ao mercado ainda em 2003, em dezembro daquele ano. O preço era salgadíssimo: R$ 1.700. Na época o salário mínimo era R$ 240. Corrigindo pela inflação, o preço do Nokia N-Gage seria equivalente a R$ 13.500 em 2025. Próximo aos R$ 14 mil cobrado pela Apple em seu site oficial pelo iPhone 16 Pro Max.
A própria Nokia reconheceu: falhou
A meta de vender seis milhões de unidades até 2004 virou piada interna. No fim, pouco mais de dois milhões foram distribuídas — e boa parte disso ficou parado nas prateleiras.
Em 2005, Anssi Vanjoki, executivo da Nokia na época, afirmou:
“Eu disse que precisávamos vender seis milhões em três anos, e vendemos um terço disso.
O N-Gage foi oficialmente descontinuado nos mercados ocidentais em fevereiro de 2006, embora tenha continuado a ser comercializado em algumas regiões da Ásia por um curto período.
O fracasso que nunca será esquecido
O N-Gage entrou para a história. Não pelos feitos, mas pelos erros.
Alguns conservam um certo apreço pelo N-Gage, principalmente de maneira conceitual. O aparelho que antecipou tendências, mas com uma execução desastrosa, um campeão em não atender expectativas.
No fim, o legado do N-Gage não ficou nos games, mas nas pessoas envolvidas no projeto.
Muitos desenvolvedores envolvidos no projeto do portátil passaram a trabalhar em empresas finlandesas de jogos de sucesso, como Rovio (Angry Birds) e Supercell (Clash of Clans).
Você lembra do N-Gage? Teve um ou chegou a testar? Conta aí nos comentários.
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