Pessoas Comuns: Novo episódio de Black Mirror é sobre você – dependente, cansado e pagando para existir
Quando você senta para assistir a um episódio de Black Mirror, já espera aquele soco no estômago que mistura fascínio e desconforto. “Pessoas Comuns” (Common People), o primeiro episódio da sétima temporada, lançado em 2025, não decepciona nesse quesito.
Com uma história que começa simples e termina em um vazio perturbador, ele nos faz refletir sobre como a tecnologia e o capitalismo podem transformar até necessidades básicas, como a saúde, em armadilhas financeiras e emocionais.
Vamos mergulhar nessa narrativa que é, ao mesmo tempo, uma crítica aos streamings, à nossa dependência de tecnologia e à forma como o capitalismo suga a essência da vida.
Leia também:
Balatro aparece em episódio da nova temporada de Black Mirror; criador da série é fã do jogo
5 episódios de Black Mirror que ainda dão arrepio
Uma história de amor e perda
Imagine um casal comum, daqueles que se bastam com pouco: Amanda e Mike vivem uma vida modesta, mas cheia de conexão. Até que um tumor cerebral joga Amanda em um estado vegetativo, e a esperança surge na forma do RiverMind, uma tecnologia experimental que promete trazer sua consciência de volta ao corpo, conectando-a à nuvem. Parece um milagre, né? Mas, como Black Mirror adora nos lembrar, milagres tecnológicos vêm com letras miúdas.
O que começa como uma solução para salvar Amanda se transforma em uma prisão. O casal, antes unido pela simplicidade, se vê desconectado, trabalhando incansavelmente para pagar mensalidades crescentes do River Mind. A promessa de “mais tempo de vida” vem com um custo que vai além do dinheiro: a própria essência do que os fazia felizes. É uma história que aperta o coração e faz você questionar: será que “viver mais” vale a pena se for só para sobreviver?
A metáfora dos streamings
Se você já reclamou do preço da Netflix subindo ou de propagandas aparecendo no plano mais barato para te obrigar a pagar a mais e se ver livre delas (oi, Amazon Prime), “Pessoas Comuns” vai te fazer sentir que Charlie Brooker está lendo seus pensamentos. O RiverMind é uma metáfora brilhante para serviços de assinatura, como streamings, que começam baratos e acessíveis, mas logo viram uma necessidade da qual você não consegue escapar.
No episódio, a tecnologia é oferecida como um modelo freemium: a cirurgia inicial é gratuita, mas, para manter Amanda “viva”, Mike precisa pagar mensalidades. E não para por aí. As funções essenciais ficam trancadas atrás de planos mais caros, e upgrades “premium” prometem uma experiência melhor. Soa familiar?
É exatamente como aquele streaming que te fisga com um teste grátis, te faz viciar na série do momento e, quando você percebe, está pagando mais por um plano sem anúncios ou com qualidade 4K. O episódio escancara como esses serviços exploram nossa dependência emocional, seja pelo medo de perder uma pessoa amada ou de ficar sem o próximo episódio da sua série favorita.
Dependência tecnológica: uma armadilha silenciosa
Além de mirar nos streamings, “Pessoas Comuns” vai mais fundo e questiona nossa relação com a tecnologia como um todo. O RiverMind não é só um produto, é uma promessa de salvação que, na verdade, aprisiona. Amanda, conectada à nuvem, deveria estar “viva”, mas o que sobra é uma versão dela que não encontra mais graça nas coisas simples. Mike, por sua vez, se mata de trabalhar para sustentar o serviço, perdendo a conexão com a esposa que ele queria salvar.
Essa é a crítica central do episódio: a tecnologia, vendida como progresso, pode nos roubar o que realmente importa. Quando Amanda experimenta a versão “deluxe” do River Mind, com prazeres sob demanda, ela não consegue mais voltar ao “comum”. É como se, depois de assistir a um filme em ultra-HD com som surround, a TV antiga de casa parecesse insuportável. O episódio nos faz perguntar: estamos vivendo ou apenas consumindo experiências que nos dizem ser melhores?
Capitalismo e a monetização da vida
Se tem uma coisa que “Pessoas Comuns” deixa clara, é como o capitalismo transforma até os serviços mais essenciais em máquinas de lucro. A saúde, algo que deveria ser um direito, vira um produto no universo do RiverMind. Mike paga para manter Amanda viva, mas cada mensalidade parece sugar um pedaço da vida deles. O episódio mostra que, quando uma necessidade básica é monetizada, as pessoas viram reféns, trabalhando sem parar para sustentar o sistema.
Essa lógica de “quem paga, leva” é cruel, mas real. No mundo do episódio, assim como no nosso, empresas aumentam preços porque sabem que sempre vai ter alguém desesperado o suficiente para pagar. Seja por um plano de saúde, um remédio ou até um streaming que virou parte da sua rotina, o medo de perder acesso te mantém preso. E o pior? Quanto mais você paga por esses “upgrades”, menos o básico parece suficiente, criando um ciclo de insatisfação e dependência.
Um alerta para o nosso futuro
“Pessoas Comuns” não é só uma história triste, é um alerta. Através de Amanda e Mike, vemos como a tecnologia pode prometer liberdade, mas entregar correntes. A crítica aos streamings é só a ponta do iceberg; o episódio nos faz repensar como deixamos a tecnologia e o capitalismo moldarem nossas vidas. Será que estamos escolhendo o que realmente importa, ou só correndo atrás de mais tempo, mais qualidade, mais “premium”?
Com atuações que cortam o coração e uma narrativa que mistura desespero e ironia, o episódio é Black Mirror em sua melhor forma: provocador, incômodo e impossível de ignorar. Ele nos lembra que, às vezes, o “comum”, como um jantar com quem amamos, uma risada sem motivo, é mais valioso do que qualquer upgrade que o dinheiro possa comprar. Então, da próxima vez que você pensar em assinar mais um serviço ou pagar por aquele plano mais caro, talvez valha a pena parar e perguntar: isso está me dando vida ou só me mantendo conectado a uma máquina?
Leave A Comment
You must be logged in to post a comment.