Haja perrengue! Cinematografista conta como foi filmar cada episódio de Adolescência em plano sequência
A série limitada Adolescência, da Netflix, composta por quatro episódios, surpreendeu ao adotar planos sequência em cada capítulo, filmados em uma única tomada contínua, sem cortes.
Esse estilo, assinatura do diretor Philip Barantini, foi executado pelo cinematógrafo Matthew Lewis que, durante uma entrevista para o Variety abriu o jogo sobre os bastidores, revelando não só a genialidade técnica, mas também os inúmeros perrengues que quase derrubaram a produção. Confira!
Leia também:
Entenda a teoria 80/20 apresentada na série Adolescência da Netflix
5 séries originais da Netflix que todo mundo deveria assistir
Adolescência não teve cortes
Para quem ainda tinha dúvidas, Matthew deixou claro: os episódios foram filmados todo em plano sequência, sem nenhum tipo de corte. “Não há costura de takes juntos. Foi uma tomada inteira, quer eu quisesse ou não”, afirmou ele, destacando a ausência de edições invisíveis.
A narrativa, que segue Jamie Miller, um garoto de 13 anos interpretado pelo estreante Owen Cooper, suspeito de assassinar um colega de classe, se desenrola em tempo real, vai de uma batida policial na casa de Jamie ao interrogatório e à revelação final.
O plano sequência, longe de ser apenas um capricho estético, foi a ferramenta escolhida para mergulhar o público na tensão e no nervosismo da história. Mas por trás dessa fluidez na tela, a equipe enfrentou uma série de contratempos que testaram os limites de todos os envolvidos.
Planejamento e colaboração: a base do sucesso
O sucesso começou com um planejamento exaustivo, mas nem isso evitou os obstáculos. Lewis destacou a colaboração essencial com o roteirista Jack Thorne, que reescrevia o texto para se adequar ao formato. “Phil ou eu enviávamos um e-mail dizendo: ‘A câmera viaja muito sozinha, precisamos de motivação para ir de um ponto a outro’”, contou. Nos ensaios, Thorne ajustava cenas em tempo real, mas a pressão de fazer tudo funcionar em uma única tomada era constante.
A busca por locações trouxe mais dores de cabeça. Para o episódio da batida policial, a equipe precisou de uma casa real próxima a um estúdio que simulasse uma delegacia, o que os levou a South Kirkby, em Yorkshire. “Mapear o trajeto era como montar um quebra-cabeça”, disse Lewis. Um passo em falso na coreografia entre câmera e elenco podia, e às vezes acontecia, arruinar horas de trabalho.
Tecnologia a serviço da arte, mas com limites
A tecnologia foi uma aliada, mas também uma fonte de problemas. Lewis optou pelo DJI Ronin 4D, um gimbal leve que permitia trocas entre operadores e transições para drones. “Eu não queria que fosse no ombro, e Phil concordou. Quatro horas de câmera na mão seriam nauseantes”, explicou.
Porém, o equipamento nem sempre cooperou. Em um take, Lewis esbarrou em uma parede ao virar uma esquina, desestabilizando o gimbal. “Foi meia hora antes do fim, e o take morreu. Um momento humilhante, com certeza”, confessou.
No quarto episódio, outro operador, Lee, enfrentou um perrengue ainda mais caótico: durante uma perseguição, o gimbal ficou “flácido” e apontou para o chão por um segundo antes de se corrigir. “Não havia nada a fazer”, lamentou Lewis. Esses incidentes expuseram a fragilidade de depender de equipamentos em takes tão longos e imprevisíveis.
O segundo episódio, filmado em uma escola com dezenas de crianças, foi um teste de resistência. “Um pesadelo absoluto”, nas palavras de Lewis. Receptores de vídeo foram espalhados pelo prédio para garantir o sinal, mas coordenar os alunos, que não eram atores profissionais, exigiu um esforço hercúleo dos assistentes de direção. Qualquer erro de timing ou movimento errado podia comprometer tudo.
Intensidade emocional e os perrengues do improviso
O terceiro episódio, uma intensa cena de interrogatório, trouxe dificuldades únicas. Com pouca movimentação, Lewis usou um rig preso ao corpo para fazer a câmera “flutuar” ao redor da mesa, reagindo a detalhes sutis, como Jamie pegando um copo d’água.
Mas a tecnologia falhou novamente. “Eu estava avançando em Owen, e vi seus olhos ficarem desfocados”, lembrou. O foco automático travou, e, em pânico, Lewis tentou corrigir manualmente até que o sistema voltou à vida, mas não sem antes quase arruinar a tomada. “Pensei que tínhamos perdido o melhor take da semana”, admitiu.
Outro percalço marcante foi uma queda de energia durante uma filmagem. “O iPad que controlava as luzes travou, e tudo ficou escuro”, contou Lewis. Ele estava em outra sala, esperando para pegar a câmera, sem perceber o caos até ser tarde demais. Esses imprevistos forçaram a equipe a recomeçar do zero várias vezes, testando a paciência e a resistência de todos.
Trabalhar com Owen Cooper, um novato, trouxe alívio e tensão. “Sua ingenuidade foi um superpoder”, disse Lewis, mas inicialmente o jovem reagia à câmera, inclinando-se para longe dela. Após conversas para “torná-lo cego” à presença do equipamento, ele se adaptou, mas os primeiros takes foram perdidos até que o ajuste fosse perfeito.
Não existem cortes invisíveis
Apesar dos perrengues, Adolescência não usou truques para mascarar os erros. Lewis é categórico: exceto por uma passagem por uma janela que exigiu VFX, tudo foi feito em uma única tomada. “As pessoas dizem: ‘Deve haver cortes invisíveis’. Não há”, afirmou à Variety. Os acidentes, como o gimbal olhando para o chão ou o foco enlouquecendo, foram momentos de tensão que a equipe superou com improvisos e determinação.
Adolescência é mais do que um marco narrativo, é uma prova de como a colaboração, a tecnologia e a resiliência podem transformar adversidades em arte. O relato de Matthew Lewis deixa claro um processo cheio de perrengues, mas que resultou em uma experiência visceral e inesquecível, mostrando que, mesmo sob pressão, a visão do plano sequência pode brilhar.
Fonte: Variety
Leave A Comment
You must be logged in to post a comment.