
A polêmica por trás da trend do Estúdio Ghibli
A polêmica por trás da trend do Estúdio Ghibli
Nos últimos dias, a internet foi tomada por uma onda de imagens que parecem saídas diretamente dos filmes mágicos do Estúdio Ghibli. Tudo começou com o lançamento do novo gerador de imagens da OpenAI, batizado de “Images for ChatGPT”, na última terça-feira.
A ferramenta, integrada ao modelo 4o, rapidamente virou febre entre os usuários, que começaram a transformar fotos pessoais, memes e até cenas de filmes famosos em versões ao estilo Ghibli. Mas o que começou como uma diversão despretensiosa logo se transformou em um debate acalorado sobre arte, ética e tecnologia.
Leia também:
Cineasta usa IA para recriar trailer de ‘O Senhor dos Anéis’ no estilo Ghibli – e o resultado é incrível; assista
Como usar o ChatGPT para gerar imagens no estilo Studio Ghibli
O boom da Ghiblificação
Não demorou muito para que a novidade ganhasse proporções gigantescas. Usuários do X e do Instagram compartilharam suas criações em massa, inundando as plataformas com imagens que capturam a essência delicada e onírica dos filmes de Hayao Miyazaki, como “A Viagem de Chihiro” e “Meu Amigo Totoro”.
Era como se o mundo estivesse vendo tudo através das lentes suaves e encantadoras do Estúdio Ghibli. Mas a brincadeira tomou um rumo mais sombrio quando começaram a surgir imagens de eventos históricos trágicos, como o assassinato de JFK e os ataques de 11 de setembro, recriados nesse estilo. O que era para ser leve virou um terreno desconfortável.
A OpenAI reagiu rápido. Na quarta-feira, a empresa anunciou que estava bloqueando pedidos de imagens no estilo Ghibli e adotando uma postura mais cautelosa, especialmente em relação a imitações de artistas vivos. Mesmo assim, usuários mais espertos encontraram brechas, e a ferramenta continuou gerando essas imagens para quem usava a versão paga.
O volume de pedidos foi tão grande que Altman brincou no X que os servidores da empresa estavam “derretendo”. Para aliviar a pressão, a OpenAI limitou o número de imagens que usuários gratuitos podiam criar por dia e, mais recentemente, passou a recusar pedidos de imagens na versão free, citando regras de direitos autorais.
O descontentamento de Miyazaki e a reação dos artistas
No centro dessa tempestade está uma questão que vai além da tecnologia: o que Hayao Miyazaki, o lendário cofundador do Estúdio Ghibli, pensaria disso tudo?
Miyazaki é conhecido por sua dedicação à animação artesanal, feita à mão, um processo que reflete não apenas técnica, mas uma filosofia de vida. Em 2016, durante um documentário da NHK, ele assistiu a uma demonstração de animação gerada por IA e não escondeu seu desprezo.
Diante de um monstro grotesco criado por algoritmos, ele lembrou de um amigo com deficiência que lutava para fazer um simples gesto de saudação. “Quem cria essas coisas não tem ideia do que é dor”, disse. Para ele, usar tecnologia assim na arte é “um insulto à vida”. Miyazaki também lamentou que depender de máquinas para criar pudesse sinalizar o fim da confiança humana em si mesma.
Embora suas palavras sejam de quase uma década atrás, elas ecoam com força hoje. A explosão de imagens Ghibli geradas por IA reacendeu o debate sobre o uso de inteligência artificial na arte. Celebridades como Zelda Williams, atriz e diretora, foram ao X expressar sua indignação.
“As pessoas estão compartilhando essas imagens como se Miyazaki não fosse odiar essa pirataria tecnológica”, escreveu ela, criticando também o impacto ambiental da IA, que consome grandes quantidades de energia e água. Roger Clark, o ator que deu vida a Arthur Morgan em “Red Dead Redemption”, foi ainda mais duro: “É deprimente. Você não pode chamar de arte algo que é só digitar umas palavras e roubar o estilo de outra pessoa. É preguiça pura”.
Questões legais e éticas em jogo
A polêmica não para na ética. Há suspeitas de que o modelo da OpenAI tenha sido treinado com obras do Estúdio Ghibli sem permissão, levantando questões sobre direitos autorais. A empresa, que já enfrenta processos por uso indevido de conteúdo no ChatGPT, diz que tomou medidas para evitar imitações diretas de artistas vivos, mas defende que estilos mais amplos, como o de estúdios, são jogo limpo. Ainda assim, fica a dúvida: até que ponto isso é inovação ou apenas exploração do trabalho alheio?
O caso também reflete um momento delicado para as indústrias de entretenimento e videogames, que enfrentam demissões em massa e críticas ao uso de IA generativa. Um exemplo recente foi a tentativa da Keywords Studios de criar um jogo inteiramente com IA. O projeto fracassou, com a empresa admitindo que a tecnologia não substitui o talento humano.
Trend do Estúdio Ghibli: um tesouro ou uma ofensa?
Sam Altman tentou aliviar a tensão com um comentário no X: “O que é lixo para um é tesouro para outro”. De fato, muitos usuários veem a ferramenta como uma forma divertida de criar fan art e explorar a imaginação. Mas, para outros, ela representa uma ameaça à essência da arte e ao legado de criadores como Miyazaki, que dedicaram suas vidas a um ofício que a IA tenta replicar em segundos.
A nova trend do Estúdio Ghibli na IA é um exemplo perfeito de como a tecnologia pode ser ao mesmo tempo fascinante e divisiva. Enquanto alguns celebram a possibilidade de reimaginar o mundo com um toque de magia Ghibli, outros alertam para os custos éticos, culturais e até ambientais de deixar as máquinas tomarem as rédeas da criatividade.
No fim, o debate está só começando, e o futuro da arte na era da IA ainda é uma tela em branco. Ou, talvez, uma tela que a IA já está tentando pintar por nós.
Leave A Comment
You must be logged in to post a comment.