Os EUA podem mesmo desligar o GPS no Brasil? A resposta é mais complexa do que parece; entenda

Os EUA podem mesmo desligar o GPS no Brasil? A resposta é mais complexa do que parece; entenda

A tensão entre Brasil e Estados Unidos subiu mais um degrau após Washington anunciar sanções contra autoridades brasileiras, incluindo o ministro Alexandre de Moraes, do STF. E em meio a essa disputa, circulou uma ideia que causa arrepios: o possível bloqueio do sistema GPS no território brasileiro.⁣⁣⁠⁣

Além de tarifas e sanções comerciais, uma das ameaças mais impactantes que circula pela internet seria justamente a interrupção ou limitação do acesso ao sistema global de posicionamento via satélite — o GPS.⁣⁠

Mas, afinal, isso é possível? Dá mesmo para os EUA desligarem o GPS no Brasil sem afetar o resto do mundo?

Como funciona o GPS?

GPS

O GPS (Global Positioning System) é um sistema de navegação via satélite controlado pelos militares dos Estados Unidos, mas com sinal amplamente liberado para uso civil desde os anos 1990.

Foi apenas em maio de 2000, no governo do Bill Clinton, que os EUA desativaram uma limitação proposital chamada “disponibilidade seletiva” (Selective Availability), permitindo que qualquer pessoa no mundo acessasse o sinal com muito mais precisão. Essa mudança foi fundamental para impulsionar sua adoção em celulares, veículos, redes de energia e serviços financeiros.

Hoje ele é onipresente: está nos celulares, aviões, navios, tratores, redes de energia, tornozeleiras eletrônicas, caixas de banco, drones, e até mesmo no horário do seu PIX.⁣⁠⁣⁠⁣⁠⁣

O funcionamento é engenhoso:

Como é explicado no site oficial do governo americano sobre o GPS, satélites orbitam a cerca de 20.200 km de altitude, completando duas voltas completas ao redor da Terra por dia. A constelação principal foi desenhada com 24 satélites distribuídos em seis planos orbitais igualmente espaçados, garantindo que, de praticamente qualquer ponto do planeta, pelo menos quatro satélites estejam visíveis — o mínimo necessário para o cálculo de posição via trilateração.

No entanto, desde 2011, o sistema opera com uma constelação expandida de 27 satélites, graças a uma reorganização conhecida como Expandable 24. Isso aumentou a precisão, a velocidade de fixação e a robustez do sistema.  E o número continuou crescendo: em julho de 2023, havia 31 satélites operacionais em órbita, sem contar os sobressalentes desligados ou de reserva.

A constelação atual é formada por uma mistura de gerações — como os modelos Block IIA, IIR, IIR-M, IIF, GPS III e os futuros GPS IIIF —, cada um trazendo melhorias em precisão, durabilidade e eficiência energética. 

Dá pra bloquear o GPS de um país específico, como o Brasil?

Não. O sinal de GPS é transmitido de forma global e unidirecional por satélites em órbita, o que impede qualquer bloqueio localizado sem afetar países vizinhos e aliados.

Esses satélites operam a cerca de 20.200 km de altitude e cobrem grandes regiões da Terra simultaneamente. Por isso, não é tecnicamente viável “cortar o sinal do Brasil” sem causar impactos colaterais — inclusive em partes dos próprios Estados Unidos.

A única forma real de restringir o acesso seria modificar o protocolo de transmissão global, reativando mecanismos como o antigo Selective Availability (desativado em 2000) ou criptografando o sinal civil. Mas isso afetaria bilhões de dispositivos, redes logísticas, sistemas bancários e até forças militares aliadas.

A própria Federal Aviation Administration (FAA) já emitiu alertas sobre como bloqueios ou falsificações de sinal GPS (via jamming ou spoofing) podem ultrapassar fronteiras, afetar o tráfego aéreo civil, gerar riscos operacionais e prejudicar parceiros internacionais, como evidenciado em episódios nos Estados Unidos, no Mar Báltico e em zonas de conflito recentes.

Imaginar que os EUA poderiam “desligar” o GPS no Brasil é como supor que conseguiriam bloquear o sol apenas para nós.

Interferência local? Sim. Mas com ressalvas.

Embora não seja tecnicamente viável “desligar o GPS do Brasil” de forma remota e seletiva, existem formas de atrapalhar seu funcionamento local, e elas já foram colocadas em prática em diversas partes do mundo.

A mais comum é o jamming, uma interferência deliberada que consiste em emitir sinais de rádio na mesma frequência usada pelos satélites de navegação. Como o sinal de GPS que chega à Terra é extremamente fraco (na ordem de –130 dBm), basta um sinal mais forte para encobrir completamente os satélites. Pense num “grito” eletrônico tão alto que ofusca tudo ao redor — algo digno da Sindel, de Mortal Kombat.

Essa técnica já foi usada em zonas de conflito. Em maio de 2024, autoridades europeias registraram interferências atribuídas à Rússia que afetaram voos civis na região do Mar Báltico. Em um episódio anterior, um avião da Força Aérea Real britânica, que transportava o secretário de Defesa, teve seu GPS temporariamente bloqueado ao sobrevoar o Mar Negro, acendendo alertas em toda a OTAN sobre a vulnerabilidade dos sistemas de navegação por satélite.

Para implementar algo assim no Brasil, seria necessário instalar emissores de jamming diretamente em território nacional, o que configuraria um ato de sabotagem militar explícita, com sérias implicações diplomáticas.

Outro método, ainda mais sofisticado, é o spoofing, uma espécie de “mentira digital” que simula sinais legítimos de GPS, mas com dados falsos. Em vez de “sumir do mapa”, como no jamming, o receptor é enganado e passa a acreditar que está em outro lugar.

O spoofing já foi usado em zonas de conflito para enganar drones e navios. No Mar Negro, embarcações comerciais relataram estar, do nada, “atracadas” em aeroportos terrestres na Rússia, como o de Gelendzhik, quando na verdade estavam navegando em mar aberto. É como se o mapa do GPS fosse reescrito em tempo real, sem que o usuário perceba.

Casos semelhantes também foram registrados em cidades como Moscou, onde centenas de apps de localização exibiam trajetos impossíveis em áreas sensíveis do Kremlin, reforçando que o spoofing não apenas existe, mas está sendo usado ativamente como ferramenta de guerra eletrônica e controle territorial.

O efeito Dominó de uma queda do GPS

Se o sinal do GPS desaparecesse de repente, o impacto seria devastador, não apenas na sua localização no celular, mas em toda a infraestrutura global.

  •  Aviões perderiam acesso à navegação por satélite, o que afetaria rotas otimizadas e pousos automáticos, especialmente em condições de baixa visibilidade.

  • Navios, caminhões e centros logísticos sofreriam interrupções severas no rastreamento e roteirização, comprometendo entregas e cadeias de suprimento.

  • Redes elétricas, bancos e telecomunicações enfrentariam falhas críticas de sincronização: o GPS fornece o sinal de tempo usado para equilibrar a distribuição de energia, marcar transações financeiras e manter torres 5G em sincronia.

  • Drones, tratores autônomos e sistemas militares seriam “cegados”, com risco de falha operacional, desvio de rota ou comportamento imprevisto.

Mas há um alívio: o GPS não é mais o único sistema de navegação por satélite no mundo.

As alternativas existem (e já estão funcionando)

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O GPS não reina mais sozinho no céu. Diversas constelações globais e regionais oferecem navegação por satélite com redundância e precisão complementar:

GLONASS (Rússia): Operacional desde os anos 1990, oferece cobertura global, com melhor desempenho em latitudes elevadas.

BeiDou (China): Entrou em operação global em 2020. Oferece precisão comparável ao GPS, com funcionalidades extras como mensagens curtas e comunicação bidirecional.

Galileo (União Europeia): Desenvolvido como sistema civil e independente, tem foco em precisão, chegando a erros de apenas 20 cm em modos premium.

 NavIC (Índia) e QZSS (Japão): Sistemas regionais que reforçam a precisão em seus territórios, com sinal forte em ambientes urbanos e áreas montanhosas.

A maioria dos celulares e dispositivos modernos é compatível com várias dessas constelações simultaneamente, oferecendo redundância e maior precisão.⁣⁠

 Além disso, tecnologias terrestres como o eLoran (uma rede de rádio de baixa frequência à prova de interferência) estão sendo retomadas por países como Estados Unidos e Reino Unido. Usado em portos, bases militares e infraestruturas críticas, o eLoran fornece um backup resiliente para posicionamento e sincronização, mesmo em caso de falha generalizada de satélites..

Desligar o GPS não é como apertar um botão

Por mais que a tensão política gere manchetes dramáticas, a ideia de que os EUA poderiam simplesmente “desligar o GPS” no Brasil esbarra em limitações técnicas, logísticas e diplomáticas.⁣⁠⁣⁣⁠

Mesmo que, teoricamente, os militares americanos tenham capacidade de degradar ou restringir sinais, fazer isso de forma localizada sem causar um efeito cascata global é altamente improvável.

lém disso, o mundo já se preparou para redundância. A FCC norte-americana, por exemplo, está investindo em estratégias multi-GNSS e tecnologias complementares para prover resiliência ao PNT (Positioning Navigation and Timing), com base em preocupações sobre jamming e spoofing.

A real guerra dos satélites, se acontecer, será silenciosa, travada no espectro das ondas de rádio, com interferência, spoofing e ciberinteligência.

E o Brasil, tem sua própria alternativa?

GPS 1

Atualmente, o Brasil não possui um sistema próprio de navegação por satélite, e depende de constelações internacionais como o GPS (EUA), GLONASS (Rússia), Galileo (UE) e BeiDou (China). Embora o país tenha uma infraestrutura sólida de recepção e monitoramento, como a Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo (RBMC) do IBGE, não há, hoje, uma constelação brasileira em órbita.

No entanto, esse cenário começou a ser discutido politicamente em 2024. Tramita no Senado Federal o PL 4.569/2023, que propõe a criação do “Programa de Desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Posicionamento Global”. A proposta visa promover autonomia tecnológica, reduzir a dependência estrangeira e garantir segurança estratégica em tempos de instabilidade internacional.

O relator da proposta, senador e ex-astronauta Marcos Pontes. Ele ressaltou a necessidade de autonomia tecnológica e segurança estratégica.

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